Imagine você, cidadão norte-americano com mais de sessenta entradas no Brasil nos últimos quarenta anos. Imagine que por essas e outras, lá pelo ano de 1975, você ganha direito a um visto permanente. Esse visto, dentre outras coisas, assegura sua entrada e saída do país quando você bem entender. Pois bem. Lá por 2007, digamos que no começo de setembro, você compra uma passagem em um vôo diurno partindo de Miami para uma vinda rápida de quatro dias e embarca.
Chegando aqui, uma autoridade da imigração diz que como você não aparece há mais de dois anos, vai ter que reter seu passaporte & seu visto permanente e que você será deportado no próximo avião.
Detalhe: não; você não é um traficante. Nem uma garota de programa. Nem um estelionatário. Você é um pacato cidadão de meia idade, que deseja apenas resolver algumas pendências e chispar de volta para o primeiro mundo.
Paciente, você suspira, argumenta, espera a autoridade chamar o supervisor, espera o supervisor jantar, espera mais, explica que não pode ser deportado e, uma hora e meia e um ou dois Benjamins Franklins depois, finalmente consegue ser “liberado”.
_ É aquela ali, senhor, rodando sozinha na esteira.
Você pega a Samsonite preta e finalmente deixa o aeroporto.
Uma hora depois, finalmente em casa e louco por um banho, você estranha o fecho. Depois, estranha a etiqueta laranja de “bagagem pesada”. Então, estranha a falta da etiqueta de “bagagem prioritária” e, finalmente, estranha o nome no tag de identificação. “Otto Koening”. Não é você. Definitivamente. Você pode não se lembrar de muita coisa, mas do seu nome, ainda lembra.
São onze e meia da noite e você sabe como são essas coisas. Sabe como é o Brasil. Sabe que está no meio de um feriado. Sabe que suas chances de reaver a própria bagagem são muito, muito próximas do zero e que na melhor das hipóteses, sua mala será entregue daqui a um mês ou dois em Miami, arrombada e com metade do conteúdo faltando. Você já passou por algo parecido em Roma e até hoje não sabe onde seus pertences foram parar. De repente, esse Otto Koening usa o mesmo número que você... mas você é um homem e princípios e resolve ao menos tentar, já pensando onde vai comprar uma escova de dentes, uma lâmina de barbear e uma ou duas cuecas para usar nos próximos dias...
Desanimado, acessa o site da companhia aérea na Internet e fica surpreso quando encontra um telefone para ligar. Disca os números na certeza de que não será atendido. Mas é. Do outro lado, um funcionário chamado André ouve atentamente sua história, diz que vai informar o sr. Koening que a mala dele foi encontrada e que ligará novamente, assim que as malas que restaram dos vôos a partir das 20h30 subirem para o setor de bagagens perdidas. Você duvida que ele ligue e pensa em dizer que manterá a mala do Sr. Koening como “refém” até encontrar a sua. Mas ele liga. Não uma, mas duas vezes. Liga às onze e quarenta – DEZ minutos depois da sua ligação – para dizer que o sr. Koening já foi informado e que ficou muito aliviado. Depois, liga novamente à meia-noite para dizer que a sua mala foi localizada e que o setor de bagagens extraviadas da companhia aérea funciona 24 horas por dia. Assim, se você quiser ir lá imediatamente, será um prazer entregar a sua mala e receber a do sr. Koening.
_ Não, sr. Sua mala já está liberada.
_ Mas eu só vai conseguirr chegarr aí daqui a uma hora.
_ Perfeitamente, sr. O serviço funciona 24 horas.
_ E você vai estar aí?
_ Sim, sr. Pode me procurar. Meu nome é André.
Você chega ao aeroporto à uma e meia da manhã, vai ao setor de bagagens extraviadas, entra na salinha e vê não um, mas cinco funcionários ativos e dispostos, trabalhando febrilmente para que outros passageiros tenham um desfecho tão feliz quanto o seu.
Você se apresenta e, controla o desejo de dar um beijo no André. O processo de troca das malas não leva mais de um minuto e meio. Você dá a mala do sr. Koening, pega a sua, assina um termo simples isentando a companhia aérea de responsabilidades futuras e está livre. Antes de sair, abre a mala e confere o conteúdo. Está tudo lá, exatamente do jeito que você colocou, cerca de 12 horas antes, lá no primeiro mundo. Agradecido, oferece um Ulysses F. Grant ao funcionário. Ele recusa educadamente e diz que não há necessidade de pagar.
Você sai do aeroporto leve, aliviado e ligeiramente incrédulo com a eficiência da coisa toda. O primeiro mundo, mesmo que raramente, é aqui.
Ah, a companhia aérea é essa. Precisando, não hesite em procurar pelo André.
10 comentários:
Ainda bem, há uma luz no fim do túnel...
é, mas somente com a little help from some local friends...
Aconteceu parecido na volta de Roma com a mala do Marcelo: um passageiro a levou por engano pra Porto Alegre.
E não é que localizaram a mala rapidinho e fizeram a destroca numa eficiencia ímpar? Mesmo envolvendo duas companhias, porque o vôo veio de Roma pela Tap e o cara embarcou pro RS de Gol.
Dá até pra ficar feliz e esperançosa com casos assim.
beijo
A vida tem outra cara quando as coisas funcionam... Que sorte!
Bjs.
No feriado também tive uma prova de que nem tudo está perdido.
Esse já é o seu segundo post que me inspira a escrever, Ana. Que alívio..
Ana,
Nesse caso, no fim da esteira.
LED,
Os amigos locais apenas ajudaram no trâmite de informações. A cia. aérea mandou muito bem, de fato.
Clau,
Quando tudo dá certo é tão bom, né? Ajuda a restituir nossa fé na humanidade.
Aline,
Nem me fale.
MC,
Eba! Vou lá te ler, que faz um tempão que estou devendo uma visita.
Saber disso me anima um pouco mais... Porque eu nao estava nem querendo lembrar de companhia aérea...
Fiquei quase 7 horas plantada no aeroporto de Congonhas nesta segunda-feira esperando um vôo que supostamente estava atrasado, mas que na real estava mesmo era cancelado desde o início. Até que depois de muita briga (e de me recusar terminantemente a ficar num hotel) a OceanAir deu um jeito de nos mandar pra Ctba de Gol mesmo.
Beijo
Anna,
Da próxima vez que isso acontecer, me liga. Você fica com menos raiva e, de repente, a gente toma um café. Que tal?
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