terça-feira, 27 de novembro de 2007

Meu homem é assim.

Ontem, fui comprar flores para a minha mulher.

Eu deveria fazer mais vezes, pois adoro. Em datas específicas e, especialmente, fora destas.
Uso costumeiramente uma floricultura perto. Não entendo muito do assunto, mas sei o que é bonito aos meus olhos e mais do que tudo, ao meu sentimento.

_ Oi, boa noite. Hoje, eu gostaria de levar algo mais simples, mas especial, como sempre.
_ Pois não, senhor O que acha desse arranjo?
_ Ok, tá lindo. Acho que você já conhece o meu gosto.

Enquanto ela arrumava o arranjo, pensei: "caramba, passo sempre aqui, sempre escrevo um cartão, mas nunca mando entregar." Na dúvida, sapequei, do nada:

_ Senhora, as flores que sempre compro são sempre para a mesma mulher. A minha, única.

Oriental que é, a dona da floricultura limitou-se a me escutar, sem mover um só músculo do rosto.

Depois que paguei, pedi novamente um cartão da floricultura com o nome dela, para poder encomendar quando estiver longe, .

Na dúvida, perguntei:

_ Como vamos escolher as flores quando eu não puder vir pessoalmente?
_ Eu conheço o seu gosto, senhor.
_ Mas quando eu ligar, como você vai saber que sou eu?

Dessa vez, ela me olhou e disse, com firmeza:

_ É só dizer que é o homem da mesma mulher.

Não fosse eu homem de uma só mulher e não fosse ela dona de floricultura, mereceria uma flor.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Psicologia automobilística

Depois ainda tem gente que tem coragem de dizer que carro não tem sentimentos. Eu mesma comecei a conversar com o meu de uns tempos pra cá. Ué, qual é o problema? Não há quem converse com plantas? É que ele anda sensível, principalmente com a aproximação do fim do ano. Quem é leitor antigo, sabe que uns dois anos atrás, eu vivi uma verdadeira epopéia automobilística, a ponto de passar dias com meu carro desaparecido no mês de dezembro e de vivenciar o caos de estar, em pleno dia 23, antevéspera do Natal, subitamente sem ré. Mas quem precisa de ré, não é mesmo? Todo mundo diz que é pra frente que se anda...

Enfim, o carro – sim, é o mesmo carro. O mesmo bólido prateado que quase me levou à falência e à loucura há algum tempo – tem demonstrado já há algum tempo, persistentes sinais de carência. Para tentar contornar o problema, já gastei com ele em oficina mais do que certamente gastarei com todos os meus presentes de Natal juntos. É até bom, porque nessa época do ano (com mudança, décimo terceiro da babá, presentes, festas, ceias, amigos secretos aos montes), sempre sobra uma grana que a gente não sabe em que gastar. É um alívio poder dar um destino nobre a um dinheiro que está lá, paradão, sobrando na conta... Só que não adiantou.

Nos últimos trinta dias, passei cerca de dez sem carro. Felizmente, tenho uma alma caridosa na família que não tem usado seu próprio veículo e me cedeu, para uso temporário, sem qualquer custo.

Quando finalmente consegui recuperar meu bólido, após dias de empenho, negociações e ameaças entre o Sr. Ana Téjo e o mecânico, andei alguns dias com ele, até ficar três vezes na rua. No mesmo dia.

Ontem, depois de uma crise mais do que justificável de choro convulsivo, liguei para meu corretor de seguros, que me aconselhou a pedir o carro-reserva da seguradora.

_ Alô, seguradora.
_ Alô, don’Ana.
_ Olha, eu queria saber o procedimento para solicitar o carro-reserva.
_ Pois não. O que aconteceu?

Contei resumidamente e disse que teria que deixar o carro no mecânico – de novo – a partir da primeira hora da segunda-feira. A seguradora boazinha me dá direito a carro-reserva depois de 24 horas que o meu carro estiver na oficina. Ou seja, inevitável ficar um dia a pé, mas é melhor do que nada.

_ Onde a sra. está nesse momento?
_ Estou na casa do sr. Ana Téjo, que fica estrategicamente localizada exatamente na frente da oficina.
_ E a sra. quer estar solicitando o guincho?
_ Eu não vejo necessidade. Primeiro, porque hoje é domingo e a oficina está fechada. Segundo, porque o carro está em segurança, na garagem. Terceiro, porque eu mesma posso levar o carro à oficina amanhã, pela manhã.
_ Mas se a sra. não estiver pedindo o guincho, nós não temos como estar concedendo o carro-reserva.
_ Fofa, entenda uma coisa: não faz o menor sentido vocês mandarem um guincho pra cá, para atravessar a rua com o meu carro.
_ Mas o carro está andando?
_ Está, mas está em risco. Meu mecânico me orientou expressamente a não andar com ele, mas isso não significa que eu não possa sair da garagem e cruzar a rua e parar na oficina, entendeu?
_ Nesse caso, a sra. não tem direito ao carro-reserva.
_ Comassim, pelamor?
_ Porque o carro-reserva só é concedido se o carro chegar guinchado à oficina.
_ Sei. Deixa eu entender uma coisa: se eu mesma levar o carro à oficina amanhã cedo e economizar o guincho para VOCÊS, não tenho direito ao carro-reserva. Se eu mandar chamar o guincho e o guincho atravessar a rua com o carro, eu tenho direito, é isso?

A gentil atendente me pediu o endereço onde eu estava e o da oficina. Dei. Depois de alguns minutos de consulta ao Guia de Ruas, ao GPS e de muito raciocínio matemático, ela disse:

_ Mas, sra.! A sra. está a apenas sete números de distância da oficina. É praticamente na frente.
_ Eu sei, criatura! Foi a primeira coisa que eu disse. Estou vendo a oficina daqui, da janela. Se não estivesse fechada PORQUE HOJE É DOMINGO, eu poderia até dar tchauzinho pro mecânico, que já virou meu brother.
_ Mas a essa distância não faz sentido chamar o guincho!
_ É o que eu estou dizendo, lembra?
_ Então, nós não vamos estar podendo guinchar seu carro e a sra. não terá direito ao carro-reserva.
_ Sei. Deixa eu só entender outra coisa: se na segunda pela manhã, eu me afastar 3 ou 4 quadras com o carro, ligar para o guincho e vocês guincharem o carro até a oficina, aí eu tenho direito ao carro-reserva?
_ Sim, senhora.
_ Então tá. Muito obrigada. Brilhante o sistema de vocês.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

A evolução dos pesadelos

É engraçado como à medida que a gente cresce, muda também a natureza dos pesadelos. Não há adulto que sonhe com fantasmas, monstros ou mortos-vivos. Nãããão. Adultos sonham com problemas no trabalho, situações embaraçosas de exposição, conflitos emocionais não resolvidos, perdas graves, enfim, desnecessário detalhar aqui porque todo adulto sabe de que consistem seus pesadelos.

Na infância é diferente. Lembro de acordar suada, com o coração aos saltos, chamando pela minha mãe, porque tinha sonhado com uma onda gigante, de mais de quarenta metros, que formava uma parede de água acima da altura da varanda do apartamento em que ficávamos no Guarujá. Ou do meu pavor de sonhar com um funcionário do supermercado que freqüentávamos, de pele muito, muito escura e olhos muito, muito brancos, que me olhava insistente e ostensivamente. Horrível também era sonhar com a professora da terceira série, uma bruxa cruel e sem coração, que deve ter feito Pedagogia na Febem e que diariamente nos ameaçava prender na escola para que perdêssemos a carona, o ônibus ou a mãe e tivéssemos que dormir lá, até o dia seguinte. Não. Isso não era o sonho. Essa era a parte real. Nos pesadelos, ela voava numa vassoura e nos prendia em calabouços úmidos, escuros e malcheirosos. Mas meus piores pesadelos eram com os olhos do Jack Nicholson. Ele mesmo; o ator. Uma vez, passei acidentalmente pela porta do quarto da TV tarde da noite e vi uma cena de O Iluminado. Passei anos assombrada por aquele olhar.

Hoje participo – do lado de fora, felizmente – dos pesadelos dos meus filhos e tenho que fazer um esforço danado para manter a seriedade, abraçá-los com força, beijar as cabecinhas cheirosas e suadas e garantir que vai ficar tudo bem. Ao meu filho, já garanti que dedetizei a casa contra monstros – quando é preciso reforçar a dedetização, uso um borrifador de roupas com água filtrada, que é tiro e queda – mas sempre reforço que se ele parar de assistir Power Rangers, a dedetização fará muito mais efeito. A minha filha, já naquela fãs portas da adolescência, já começam a surgir os primeiros pesadelos de adulto, onde ela elabora problemas vividos na escola, conflitos com os pais, dúvidas, fragilidades e incertezas. De vez em quando, a infância fala mais alto e ela sonha com uma cena dos mortos-vivos dos Piratas do Caribe ou de outro filme particularmente impressionante.

Ainda outro dia, depois de quatro horas intensas na festa de um amiguinho de classe, meu filho voltou para casa cambaleando de sono, tomou um banho, um copo de leite e foi dormir. Lá pelas tantas, acordou berrando. Pulei da cama para atendê-lo.

_ Uma bruxa, mamãe! Uma bruxa horrível!
_ Onde, filho? Não tem bruxa aqui em casa, lembra?
_ Não foi aqui, mamãe. Tinha uma bruxa medonha na piscina de bolinhas!

Ri baixinho e o abracei com força. Como é bom quando nossos piores pesadelos são os olhos do Jack Nicholson ou a bruxa na piscina de bolinhas.