quarta-feira, 26 de março de 2008

Crenças

Eu acredito em cozinha.
Eu acredito em pimenta moída na hora.

Eu acredito em molho com tomates frescos.

Eu acredito em cheiro de pão crescendo.
Eu acredito em cheiro de pão assando.

Eu acredito em copos bonitos todos os dias

e pratos, e talheres.

Eu acredito em torta feita em casa.

Eu acredito em guardanapo de tecido.
Eu acredito em mesa posta.


Mas eu sou realista e acredito, acima de tudo, que às onze e meia da noite de um dia que começou às seis, ninguém merece perder tempo na cozinha, nem para cozinhar um ovo
que seja .

Assim, eu também acredito:
Em delivery.
Em pizza.
Em sopa Vono inidividual e instantânea para aqueles dias em que mal sobra energia para ferver 200 ml de água e aquilo, com tantas
opções de cores e sabores, desce como um veludo pela garganta.

Só tem uma coisa em que eu não acredito: como é que o crouton da sopa Vono continua crocante mesmo depois de ser afogado em 200 ml de água fervendo ? Hein? Hein?

Eis o mistério da fé.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Suicídio precoce


_ Mamãe, eu vou me matar.
_ Tá louco, moleque? Você é muito jovem pra isso. Além dos mais, eu já gastei um dinheirão com você e ainda nem acabei de pagar seu presente de aniversário!
_ É justamente por isso.
_ Pelo seu aniversário? Mas você fez seis anos! Seis!!! Não está meio cedo pra entrar em crise?
_ É que eu comentei sem querer na escola que o tema da minha festa ia ser Backyardigans.
_ Depois dizem que mulher que é fofoqueira... Ok. Você comentou “sem querer”. E aí?
_ E aí que um amigo falou que Backyardigans é tema de menina. E agora eu quero me matar!
_ Filho, você acredita na mamãe?
_ Acredito.
_ Então, ó: Backyardigans não é tema de menina, entendeu?
_ Entendi.
_ Tema de menina é Princesas, Barbie, Pequena Sereia, Pocahontas... entendeu?
_ Entendi.
_ E então?
_ Meu amigos vão achar que eu sou menina! Buááááá!
_ Não vão, não. Eles te vêem todo dia. Todo mundo sabe que você é menino.
_ Mas minha festa vai ser de menina. Buáááá!
_ E o que você quer fazer?
_ Eu quero mudar o tema da festa.
_ Eu não sei se dá, mas posso ligar e perguntar, tá?
_ Tá. Snif.
_ E que tema você quer?
_ Tem de exército? De guerra? De Tomb Raider?
_ Hmmmm... acho que não, mas eu vi uma mesa de Esportes Radicais com toalha de camuflagem, quer?
_ Essa não tem água. Eu quero uma que tenha água. Água caindo, sabe?
_ Sei. Filho, entenda uma coisa: trata-se de uma mesa de aniversário infantil e não de um carro abre-alas de escola de samba.
_ O que é carro abre-alas?
_ Deixa pra lá. Que tema então?
_ Hmmmm... Peter Pan?
_ Ok. Vou pedir.
_ Mas, mamãe?
_ Sim, filho.
_ Pede pra esconderem a Sininho e a Wendy atrás do bolo, tá?
_ Coitadas, filho!!! Por quê?
_ Dãããns! Porque elas são meninas, né?

quinta-feira, 20 de março de 2008

Seis

Aí, eu sento num canto e fico vendo você lutar com seus monstros e pôr em pé seus castelos com calabouços e tudo. Ou então, te olho empolgado com os enredos dos desenhos que você já viu mil vezes e me divirto, não com a TV, mas com as caras que você faz. Tem vezes também em que eu brigo com você, que insiste em não entender que a nossa casa não é um pântano (nem uma floresta, nem um deserto) e que os nossos móveis não são camas elásticas, nem areia movediça, nem obstáculos pelos quais você deva passar pulando. Tem dias que eu paro pra ouvir você contar aquelas histórias incríveis, que misturam jogos de computador, com giz de cera, com peças de Lego, com placas de trânsito, com os utensílios da minha cozinha. E não vamos esquecer de quando você me chama, suado, à noite, me conta um pesadelo horrível e eu te trago pra minha cama e te faço carinho até você se acalmar. De vez em quando, eu passo pelo seu quarto só pra te ver dormir. E você já está tão grande, meu filho. Mas aí, só pra me provocar, você vira de lado e eu vejo de novo o bebê que ficou com preguiça de sair da minha barriga seis anos atrás. E tudo isso é tão precioso, tão único, que eu fico com medo de explodir de felicidade por ter feito uma coisinha tão iluminada quanto você.

Um dia, seu pai disse que quando me vê te olhando, acha que eu posso estar criando um problema para o resto da sua vida. Porque “quando a primeira mulher da vida da gente nos olha com esse ar de absoluto encantamento, a gente cresce se achando o máximo e passa o resto da vida procurando outra mulher que nos olhe da mesma maneira.”

Pois é, filho. Quem manda você ser tão especial? Seria loucura minha não aproveitar esse restinho de tempo em que você ainda é só meu.

Mamãe

quarta-feira, 19 de março de 2008

O mico

_ Mamãe, você tem “mesmo” que me levar na escola?
_ Claro que tenho, filha. Por quê? Você não quer?
_ Será que dava pra você me deixar na esquina?
_ Comassim “na esquina”? E eu lá sou mãe de deixar filha de doze anos na esquina?
_ Quase treze, mamãe. Quase treze. É que você sempre me beija e...
_ Ué, qual é o problema de te beijar, filha?
_ É que todo mundo olha e...
_ E daí que olham, filha? Vão concluir o quê? Que você tem mãe e que ela gosta de você?
_ Mas é meio mico.
_ Comassssssim “meio mico”? É mico ter mãe ou é mico ganhar beijo?
_ Ah, mamãe, sei lá... é que as pessoas comentam...
_ Comentam o quê? “Ûia! Aquela mãe deu um beijo na filha! Que horror!”
_ Não, mamãe... você não entende...
_ Pelo jeito, não mesmo. Que tal você me explicar?
_ Ah, mamãe, eu não sei... é essa sua roupa...
_ Minha roupa??? Qual é o problema com a minha roupa?
_ É que tem dias que você vai pra ginástica e aí você...
_ Vou de roupa de ginástica, naturalmente. Algum problema com ela? Calça da mesma marca da sua, camiseta bacana, tênis da mesma marca do seu... eu não tô gorda, tô? Tem alguma banha saindo da roupa, por acaso?
_ Não, mamãe. É que fica esquisito.
_ Esquisito por quê? Mães não fazem mais ginástica?
_ Fazem, mamãe, mas é que... ah, deixa pra lá. Você não entende. Você vai me deixar na esquina ou não?
_ Não. Nem morta. E vou continuar dando beijo. Estalado. Na porta. E se reclamar, eu desço do carro e faço a dancinha do Barney enquanto você desce as escadas, hein? " Amo você, você me ama, somos uma família feliz..."

domingo, 16 de março de 2008

De boas intenções...


_ Olha o que a mamãe trouxe pre você, filho.
_ Uau! Uma calça de camuflagem, uma camiseta de camuflagem, um moletom de camuflagem e um boné de camuflagem!
_ Legal, né? Você pode usar tudo isso com o seu tênis de camuflagem. Vai ficar totalmente camuflado.
_ Grande idéia. Eu posso provar agora, mamãe?
_ Claro que pode.
...
_ Nossa, meu filho! Ficou ótimo!
_ Comassim?
_ Você, camuflado, ficou ótimo.
_ Como é que você sabe?
_ Porque eu tô te vendo, oras.
_ Como?
_ Ué, filho, como "como"?
_ Droga!
_ O que foi, menino?
_ Eu não quero essa roupa.
_ Credo, filho, que malcriação. Eu comprei com tanto carinho...
_ Mas é falsa.
_ Comassim, falsa, moleque? Você acha que eu compro mercadoria falsa? Não é falsa, coisa nenhuma.
_ É falsa.
_ Por que você acha que é falsa?
_ Porque se fosse de verdade, você não estava me vendo.

sexta-feira, 14 de março de 2008

A ditadura da juventude (para mulheres)

_ E então? Tô bem?
_ Hmmmm... tá. Você andou perdendo peso?
_ Só uns quilinhos.

_ Desculpa perguntar... mas com quanto você está?

_ Trinta e oito, mas quero chegar aos trinta e cinco.
_ Anos?
_ Não. Quilos.

_ Quilos?! Você não acha demais?

_ Por quê? Você acha que com trinta e dois ficava melhor? Eu ainda quero ver se perco essa banha na barriga.
_ Banha?!
_ É. Olha só. Mas eu pareço uma adolescente, não é? Tem muita menina de vinte anos que não tem o meu corpo.
_ Graças a Deus.

_ E você notou que eu coloquei silicone?

_ Não brinca!
_ Juro. Duzentos e cinqüenta ml em cada seio. Não ficou natural?

_ Naturalíssimo. Se você não contar, ninguém nota.


quinta-feira, 13 de março de 2008

Plec

A gente não devia perder nunca a capacidade de encantamento que as crianças têm. Hoje, durante o café-da-manhã, meu filho me pediu para ensiná-lo a estalar os dedos.

_ É assim, ó _ gesticulei. _ Você junta o dedão com o terceiro dedo e esfrega um no outro.

Ele repetiu meu gesto, tentou duas, três vezes. Na quarta, um “plec” bem baixinho. Ele me olhou, encantadíssimo.

_ Mamãe, funciona!
_ É claro que funciona, filho. Agora, você só precisa praticar.

Fomos até a escola praticando. Chegando lá, ele entrou correndo na classe e anunciou:

_ Vocês precisam ver o que eu aprendi!

Seis ou oito amigos se aproximaram depressa.

_ Ó! “Plec, plec, plec.”

Seis ou oito pares de olhos se arregalaram, depois sorriram e depois, absolutamente espontâneos, eles bateram palmas. Palmas! Palmas sinceras e entusiasmadas para o amigo que aprendeu a estalar os dedos.

Em que momento será que a gente perde isso, hein?

quarta-feira, 12 de março de 2008

A ditadura da juventude (para homens)

_ E então, que tal a tintura?
_ Ah, tá ótima. Você ficou parecendo muito mais jovem.
_ Mas será que não ficou um pouco artificial?
_ Imagina! Tá naturalíssimo. Eu conheço milhares de pessoas que têm cabelo cor-de-abóbora queimada. É o último grito. E você tem a pele jovem, nem parece um maracujá-de-peruca. Ninguém vai notar.
_ E o combover?
_ Ah, o combover ficou uma obra-prima. Você tá parecendo o Rei-Leão.
_ Mas não tá dando pra ver o fundo?
_ Tipo aquário, você diz? Nããão! Tá fartíssimo. Peraí. Penteia só essa mechinha mais pra cá. Pronto.
Sensacional.
_ Escuta... e se ventar, hein?
_ Uééélllll, se ventar, só tem dois jeitos: ou você se coloca a favor do vento, ou põe uma fivela.
_ E eu posso fazer tudo, tudo?
_ Pode, com cautela. Até porque, você não vai querer que alguém desconfie que você é careca, né?

quarta-feira, 5 de março de 2008

Pomba-gira

Eu detesto pombos. Sempre detestei. Morro de nojo. Sou do tipo que compraria uma camiseta dizendo "Vá a Piazza San Marco, mas não me convide". Nem da emblemática pombinha branca, símbolo da paz, eu gosto, mas tenho meus motivos.

Minha guerra definitiva deu-se num dia causticante de verão. Na época, meu carro não tinha ar condicionado, mas eu já era tão paranóica quanto hoje. Em conseqüência disso, não abria os vidros nunca. Preferia cozinhar ao sabor do ventilador, que jogava ar quente para dentro do carro. Nesse dia em particular, era cerca de uma hora da tarde, fazia uns 40 graus e eu estava quase grudada no banco de tanto suar. O vento quente já estava baixando minha pressão e ameaçava começar a derreter os poucos neurônios remanescentes. Num gesto de desespero, fiz o impensável: abri o vidro do lado do motorista. Estava na rua Tabapuã que, para quem não conhece, é um lugar aprazível e arejado, repleto de edifícios comerciais, sem uma única árvore num raio de dez quadras, em qualquer direção.

Pois lá estava eu, parada, esperando o farol* abrir quando, do além, entra um pombo a toda velocidade DENTRO DO CARRO! O bicho veio num vôo suicida, da esquerda para a direita, passou pelo vidro aberto do motorista, cruzou o espaço interno do carro, roçando as asas entre o meu rosto e o vidro da frente e bateu, com tudo, no vidro fechado do outro lado. Com a cabeçada, caiu no chão do lado do passageiro e ficou ali, estrebuchado. Não sei se a intenção do pombo era pegar um atalho, mas o fato é que depois de alguns segundos de puro estado de choque, comecei a gritar dentro do carro,
em pânico. Só de pensar que aquele animal havia "tocado" em mim, me deu vontade de fazer um peeling cirúrgico. Na calçada, uma ou duas pessoas que tinham presenciado a cena pra lá de insólita, riam às gargalhadas. Em desespero, saí do carro, dei a volta, abri a porta do passageiro e comecei a gritar "xô, xô!" para o bicho semi consciente. Para reforçar meu ponto de vista, batia com os pés no chão com toda força. Eu, não o pombo. O farol abriu e os motoristas de trás começaram a buzinar. Mas seria mais fácil um boi voar SP-LA non-stop do que eu sair dali, com aquela criatura se contorcendo dentro do carro. Pegar nele, nem pensar. Fiquei ali, gritando: "fora, pombo! Fooooooora! Saaaaaaaaaaaaai daqui! Vai embooooora do meu carro, meleca! Sai! Agooooooorraaaaaaa!" e as pessoas da calçada rindo cada vez mais (em vez de virem me ajudar, os vermes). Droga de bicho irracional, pensei, revoltada. Cheguei a pensar na possibilidade de pegar o troço com o tapete de borracha, mas e o medo dele sair voando pelo carro? E o medo de que reagisse e me atacasse de novo? Porque aquilo foi um ataque pessoal, não há como me convencer do contrário. Atrás de mim, as buzinas aumentavam. Evidentemente, os outros motoristas não sabiam da minha situação crítica, ou teriam chamado os bombeiros, o resgate, o nine-one-one... alguma coisa. Depois do que pareceu ser uma eternidade, o pombo deve ter ficado surdo ou desistido de me ouvir gritando e saiu do carro, cambaleando. Mais que depressa, fechei a porta do passageiro, entrei no carro, fui até o posto mais próximo e pedi uma lavagem completa, com especial atenção para a aspiração na parte interna. Na seqüência, fui para casa tremendo e tomei um banho caprichado. Cheguei atrasada na agência e levei algum tempo para me recuperar. Mas aprendi a lição: nunca mais abro a janela do carro. Com ou sem ar condicionado.

*sinal, semáforo, sinaleiro.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Mais ou menos lógico

_ Filha, sabe qual foi a única vez em que eu fui expulsa da classe?
_ Mamãe!!! Você foi expulsa da classe??? Tá brincando!!! Quando foi? Conta, conta!
_ Foi por volta da oitava série, quando a gente estava aprendendo equação de segundo grau.
...
_ Lá pelas tantas, depois de meia hora fazendo contas, com dois milhões de fórmulas envolvendo quadrados, parábolas, raízes de delta e outras barbaridades afins, o professor disse que o resultado era mais ou menos dois. Eu tive um acesso de riso incontrolável que durou até paralisar completamente toda a atividade da classe..
_ Por quê?
_ Porque não conseguia entender como depois de tanta conta, ele tinha chegado a um resultado que era “mais ou menos”. Quando consegui enxugar as lágrimas e expliquei porque estava rindo, ele ficou inexplicavelmente furioso e me mandou conversar com a coordenadora. Pode?
_ Mamãe?
_ Sim, minha filha.
_ Você não tem mesmo a menor noção.

Paralelos

_ Mamãe, você me ajuda a entender esse troço de matemática?
_ Ih, filha, justo matemática? Você não tem nenhuma dúvida em geografia, em literatura? De repente, eu posso te explicar a diferença entre adjunto adnominal e núcleo do sujeito; ou como um verbo pode ser transitivo direto e indireto ao mesmo tempo, que tal?
_ Não, mamãe. Isso, eu já sei. Eu precisava mesmo era entender essas equações aqui.
_ Então me mostra. Vamos ver.
...
_ Filha, pelamordedeus, o que é isso?
_ Equações com frações, mamãe.
_ Mas peraí, como é possível uma coisa dessas? “Cinco oitavos sobre três xis sobre dois é igual a dezesseis sobre quatro nonos”?
_ É isso que eu preciso entender, mamãe.
_ Mas filha, o que diabos é esse monte de fração empilhada? Eu nunca vi isso na vida! Parece um Empire States de frações. Tem um, dois, três, quatro andares aqui. Eu não faço a menor idéia de como desempilhar isso.
_ Olha, mamãe, é assim: você multiplica em cruz, passa esse pra lá, aquele pra cá e trata a fração como se ela fosse um número só, entendeu?
_ Hmmm... mais ou menos. Sabe, filha? Eu sempre fui péssima em matemática. Matemática e física. E química... principalmente a orgânica.
_ Mas olha, mamãe, não é tão difícil. Aí, você tira o MDC, reduz a fração, passa o xis pro outro lado.
_ Sei...
_ Aí, eu inverto tudo, mudo os sinais e passo o xis pra esquerda porque eu não consigo lidar com o xis à direita e...
_ Ûia!
_ Gostou, mamãe?
_ Adorei. Não consigo imaginar o que você vai fazer com isso em termos práticos mas é, sem dúvida, impressionante. Parecem aqueles malabaristas de circo, que sobem oito em cima uns dos outros e depois vão desmontando. De repente, você guarda isso em algum canto do seu cérebro, que nem eu fiz com os elementos da tabela periódica e usa pra impressionar seus amigos daqui a vinte anos.
...
_ Só tem uma coisa que eu não entendi.
_ O que, mamãe?
_ Aqui, quando você inverte tudo, muda os sinais, divide e troca o xis de lado, não era mais fácil passar multiplicando o que estava dividindo?
_ Até que era, mamãe, mas sabe quando você está dirigindo?
_ Sei.
_ E sabe quando todo mundo diz pra você que tem um caminho mais rápido, mais lógico e mais racional para chegar num lugar, mas você prefere ir pelo caminho que já sabe?
_ Ô, se sei.
_ É a mesma coisa.