quarta-feira, 29 de agosto de 2007

(In)Finitude

_ Mamãe, o que é infinito?
_ É uma coisa que não tem fim, meu filho.
_ Como o quê?
_ Como o universo, como os números...
_ O universo? O que é o universo?
_ É o mundo todo, filho. O céu, os planetas, as estrelas. Repare que de qualquer lugar de onde você olhar, tem sempre um céu imenso lá em cima.
_ E é infinito mesmo?
_ Olha, filho, a gente não tem como ter certeza absoluta, mas tem uns moços que já foram muuuuito longe e outros que conseguiram tirar umas fotos de mais longe ainda e que dizem que é.
_ Sei... e os números?
_ Ah, esses são infinitos, eu garanto.
_ Por quê?
_ Porque qualquer número que você escolha, por maior que seja, se você somar mais um fica um número maior ainda, entendeu?
_ Hmmmm... tem certeza?
_ Tenho sim, filho.
_ Noventa e oito!
_ Mais um, noventa e nove.
_ Um milhão!
_ Mais um, um milhão e um.
_ Seis trilhões e setenta e cinco.
_ Mais um, seis trilhões e setenta e seis.
_ Um zilhão, novecentos e dezoito trilhões, setecentos e doze bilhões, quinze milhões e sete.
_ Mais um, um zilhão, novecentos e dezoito trilhões, setecentos e doze bilhões, quinze milhões e oito.
_ Sete gazilhões, quinhentos e doze...
_ Ai, filho! Chega, pelamor!
_ Rá! Tá vendo? Te peguei, mamãe! Eu não falei que os números não eram infinitos?
_ Eles são, meu filho. O que não é infinita é a minha paciência.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Uma perdida numa noite suja

Eu sou perdida. Nasci assim. Não tenho o menor senso de localização espacial.

Durante toda a minha infância e boa parte da adolescência, meu pai, que deve ter engolido uma bússola quando ainda usava fraldas, adorava comentar sempre que podia como a minha mãe e eu éramos perdidas e como ele e a minha irmã eram incrivelmente bem orientados. De fato eram, mas precisava jogar na cara?

Perdida ou não, sempre consegui ir & voltar a todos os lugares que precisei. A maior prova disso é que estou escrevendo neste momento, do lugar onde sempre costumo estar a essa hora do dia..

Para piorar minha situação, sou orgulhosa como um homem, ou seja, "detesto" pedir informações na rua, em postos de gasolina, a transeuntes ou a quem quer que seja. Perco o rumo, perco a hora, mas não perco a pose.

Em minha defesa, tenho sempre no carro um Guia atualizadíssimo, com mão de direção e os últimos delírios urbanísticos do prefeito em gestão, apesar de sempre achar que o bendito está de cabeça para baixo em relação ao caminho que eu preciso. Parêntese: por que os moços sempre fazem os mapas de cabeça pra baixo? Deve ser pegadinha, né? Só pode ser. Pois eu sei ler de cabeça pra baixo. Rá! Fecha parêntese.

Sou do tipo que já deu ré em Marginais, em estradas, já peguei a 23 de Maio para o lado errado (várias vezes), enfim, um vexame completo. Isso tudo me rendeu algumas histórias de "perdição".

Uma vez, indo com uma amiga do trabalho a uma reunião em uma fábrica nos cafundós da Raposo Tavares, quase morri de vergonha. Ela não dirigia (siiim! Ainda há mulheres na sociedade ocidental contemporânea, em pleno século XXI, que não dirigem!) e coube a mim a honra de nos conduzir até lá. Alguém sabe onde ficam os cafundós da Raposo Tavares Longe. Muito longe, mas até aí, tudo bem. Eu, precavida, ciente das minhas limitações, peguei meu super Guia atualizadíssimo e pacientemente contei quantos viadutos deveriam ser cruzados até o momento M. O problema é que na prática, a teoria é outra. Uma vez lá, a dúvida: passarela conta como viaduto? Não conta? Para piorar ainda mais, por um capricho do traçado da estrada, só se vê a maldita fábrica DEPOIS de passar pelo acesso. Aí, são 7 quilômetros pra ir, retorno, 14 quilômetros pra voltar, outro retorno, o tempo comendo, o cliente ligando e novamente o bendito acesso oculto... Em desespero, encostei no primeiro trecho não-carroçável da via, saquei o celular e liguei para o dono da agência (isso mesmo! Ele quem tinha me colocado naquela situação, ele que me tirasse) pedindo socorro. Antes da ligação se completar, minha amiga virou-se, me olhou com olhos arregalados e disse:


_ Ó, Ana, na boa, eu gosto de você e tudo, a gente se dá bem... mas eu sou hetero.
_ Pô, amiga! Eu também. Você até conhece meus filho, meu ex-marido... eu conheço os seus!!!
_ Então por que você parou aqui, nessa entrada de motel?...

Outra vez, fiz o maior escândalo num shopping. Cheguei ao local onde havia parado o carro e deparei com aquela terrível sensação de vazio. Primeiro, um calafrio daqueles que arrepiam os cabelos da nuca. Depois, uma onda de calor. "Calma, Ana, você tem seguro", disse o lado racional. "Eu sei, mas roubaram meu carro em pleno estacionamento do shopping, meleca!", disse todo o resto. Horrorizada, chamei um segurança, declarei o ocorrido, disse que ia chamar a polícia e que depois iria à delegacia e fazer B.O. O segurança, com aquele famoso risinho de escárnio no rosto, foi logo perguntando:

_ A madame tem certeza que não parou em outro piso?
Eu, indignada: _ Claro que tenho! Eu sempre anoto meticulosamente o local onde deixei o carro!

Ele, irônico, pegou o maldito walkie-talkie e disse algo como:

_ Ô, Gouveia, procura um carro aí, igual ao da madame, nas coordenadas XPTO dos pisos Y e Z.

O bólido foi encontrado algum tempo depois, pelo "Gouveia", numa vaga na mesma posição, dois andares abaixo.

Um dia, fui ao Shopping Villa Lobos (nunca mais voltei lá) e não conseguia voltar porque não achava retorno naquela bendita Marginal. Entrei dentro de uma favela e segui por ela até o ponto onde não passavam mais carros. Voltei de ré, favela abaixo e quase fui parar no Rio, ou em Campinas, ou sei lá aonde!

Em outro, liguei para meu ex-marido (que, na época, ainda era marido) porque havia me perdido voltando de uma reunião no Cambuci.

_ Onde você está?
_ Sei lá, né? Se soubesse, não estava ligando!
_ Mas me diga o que você vê.
(Comecei a ler as placas)
_ Ana! Você vai parar em Cubatão!

Ééééé, torcida brasileira. Cubatão. Aquela cidade da refinaria, pertinho do Guarujá. Como consegui, eu não sei e certamente não saberia reproduzir o feito. Ele (que também engoliu uma bússola na infância) conseguiu me guiar, remotamente, até um ponto moderadamente conhecido, quando a bateria do celular acabou. De lá, sabe-se como, voltei. Hooooras depois.

Quando preciso ir a algum lugar, sempre peço para me ensinarem o caminho “mais burro”. Aquele que você ensinaria ao seu filho ou sobrinho de três anos de idade, caso ele precisasse se locomover até lá.

_ Está bem (e o interlocutor inspira, pacientemente.). Ana, sabe a Marginal?
_ Depende. Qual?
_ A Pinheiros.
_ Depende. De que lado?
_ Sentido Interlagos.
_ Mas Interlagos pra quem vai? Ou de quem vem?

Eu sou assim. Às vezes, o interlocutor desiste e se oferece para me buscar. É evidente que aceito. Não quero nem nunca quis saber de caminhos espertos, cheios de quebradinhas porque fatalmente me perco. Recentemente, meu namorado disse que queria me dar um GPS de presente. Agradeci, emocionada, mas concluímos que não seria uma boa idéia. O vexame de me perder COM GPS vai ser muito maior. Há não muito tempo, lembro de ter andado em um carro bacana com um GPS importado. O problema era que a mulherzinha só sabia dizer “tourner à la droite, tourner à la droite”. Depois de virar à direita até quase vomitar, desligamos o maldito GPS e desistimos. Não ia funcionar mesmo.

Como diz um grande amigo, "de zero a dez, minha orientação espacial é zero. Engraçado... de zero a cem, também."
Mas estou aqui, não estou? Então pronto!

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

A escolha

Ele tinha três irmãos, ela, quatro. Casaram-se já maduros, com planos ambiciosos de ter pelo menos quatro filhos.

_ Quatro?! _ comentavam os amigos, espantados. _ É preciso muita coragem para ter quatro filhos hoje em dia!
_ Que disposição, hein, Paulão?!
_ Dá-lhe, Paulão! Já estão treinando muito?

A idéia era reproduzir em casa a alegria e o caos a que haviam se habituado. Para isso, lançariam mão das economias reunidas ao longo de duas carreiras consolidadas e optariam por uma vida com menos luxos.

Não tinham dúvidas de que seriam felizes. Mas o tempo começou a passar. Um, dois, quatro anos. Ela, cada vez mais próxima dos quarenta. Depois de cinco anos, os amigos começaram a perguntar.

_ É estranho _ diziam _ Vocês dois, com famílias tão grandes, sem querer ter filhos...

Eles sorriam meio sem jeito e balbuciavam alguma coisa sobre estarem aproveitando a vida.

Não faltava paixão, não faltava interesse, não faltava sexo. Em segredo, foram buscar um especialista. Depois de dezenas de horas de perguntas e de algo como duas dúzias de exames, veio o veredicto: o nome técnico era “reprodução assistida” e havia várias formas de fazê-lo. Depois de esgotados os métodos mais convencionais que tiravam toda a espontaneidade do sexo, partiram para a fase dois, que consistia numa série de injeções para estimular ovulações múltiplas. Os médicos coletariam os óvulos, fariam a fertilização in vitro e reimplantariam os embriões. Foi nessa fase que começaram a conhecer a parte capitalista da coisa: uma fertilização por doze. Três por trinta. Trinta mil. Dólares.

_ Mas e se eu engravidar na primeira?
_ Ah, aí vai ser ótimo, não vai?
_ Mas aí vocês devolvem o dinheiro?
_ Não, senhora.
_ Então, a gente vai pagar de uma em uma.
_ Vocês é que sabem.
_ Mas quais são as chances de eu engravidar na primeira?
_ Entre trinta e quarenta por cento.
_ Só???
_ Só.
_ E com três?
_ Setenta por cento.

Venderam um dos carros e um terreno no interior e se entregaram à empreitada. Compraram o pacote de três tentativas. Ele detestava o dia da coleta de sêmen. Ela não suportava o dia da coleta de óvulos.

Na primeira vez, implantaram três embriões. Tiveram “problemas de fixação”, conforme disse o médico. Frustrados, esperaram dois meses e fizeram a segunda tentativa. Mais três embriões. Dessa vez, um deles chegou a “vingar”, mas durou apenas cinco semanas. Depois do período de luto pela perda do filho, resolveram esperar um tempo. Ela, já com quase quarenta e dois anos, sentia-se derrotada. Tinham mais uma tentativa. E se não desse certo? E se não fosse “a vontade de Deus”? Mas justo eles, que queriam tanto? E que se queriam? E que podiam criar? E dedicar tempo e amor? Justo eles que tinham famílias tão grandes? Talvez Deus já tivesse dado seu sinal, disse uma amiga. Se Ele quisesse que tivessem filhos, teria permitido que as coisas acontecessem naturalmente. Magoada, ela cortou relações com a amiga e partiu para a terceira tentativa.

O médico sugeriu que daquela vez implantassem cinco embriões, para “maximizar as chances”.

_ Mas eu vou agüentar gestar quíntuplos? _ perguntou, insegura.
_ Você vai ter que ficar quase toda a gestação na cama.
_ Tudo bem. Eu fico. Mas cabem cinco bebês na minha barriga?

O médico apenas sorriu. Fizeram. Ela foi da clínica diretamente para a cama de casa. Três semanas depois, na ultrassonografia, viram que quatro embriões continuavam lá. Eles não cabiam em si. Iam ser pais, finalmente.

No começo da décima semana, o médico os chamou para uma conversa.

_ Vamos ter que fazer uma redução seletiva.
_ O que é isso?
_ Vamos ter que tirar um dos embriões, para aumentar a chance dos outros.
_ O quê???!!!
_ Se mantiver os quatro, você pode acabar perdendo todos.
_ Mas eu perguntei antes, eu perguntei, eu...
_ São três meninos e uma menina. Sugiro retirar um dos meninos. O menor deles.
_ Um menino? O menor?! _ E se alguém uma dia decidir que você não merece viver porque é menor que os outros? Ela própria não chegava a um metro e sessenta...

Saiu do consultório chorando muito e foi para casa com a promessa de pensar. Conversou por dias com o marido e a barriga, brigaram, fizeram as pazes, tornaram a brigar, ela pediu perdão aos filhos, ponderou as chances e voltou ao consultório dizendo que faria maldita redução.

Entrou no hospital na manhã de terça-feira. Com o procedimento invasivo para tirar um, perdeu os quatro. Nunca mais tentou. Hoje, aos cinqüenta e dois anos, dia do décimo aniversário da perda dos filhos, embala suas bonecas na clínica de onde nunca mais saiu. O ex-marido vai vê-la todo fim de semana, com os três filhos que teve no segundo casamento.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Sua escrita tem jeito?

Não tem jeito. As pessoas que têm o hábito de escrever acabam desenvolvendo alguns vícios. São termos e construções de frase que quem escreve bem chama de estilo. Quem não gosta, chama de vício, mania, ou maldito-cacoete-esse-seu-de-sempre-escrever-tudo-desse-jeito!

_ Ana, por que você escreve “pelamor” e “purfa”?
_ Eu? Escrevo, é? Ah, sei lá. Porque sim?...
_ Não, Ana, sério: é um saco. Toda vez que eu vou ler um texto seu, tem “purfa” pra cá, “pelamor” pra lá. Você é crente, por acaso?
_ Crente, eu? Crente em quê, pelamor? Escrevo assim porque... ah, acho que é porque é mais curto.
_ Curto?
_ É. É mais curto escrever “pelamor” do que “pelo amor de Deus”; é mais curto escrever ‘purfa” do que “por favor” e eu acho que as pessoas entendem, não?
_ Entendem, mas não gostam.
_ E quem disse que não gostam?
_ Eu estou dizendo.
_ Ah, é? E você trouxe algum protesto oficial? Algum abaixo-assinado do Clube dos Leitores Insatisfeitos da Ana Téjo?
_ Não. Mas é errado escrever assim.
_ Quem disse que é errado?
_ É errado, Ana. Tem “pelamor” e “purfa” no dicionário?
_ Não. Mas também não tem escanear, blogar, baixar, no sentido de “fazer o download” e todo mundo usa e entende!
_ Você devia se corrigir...
_ Não vou me corrigir.
_ Não?! E por quê?
_ Primeiro, porque o blog é meu, quem manda nele sou eu, não tenho compromisso editorial com ninguém e escrevo do jeito que tiver vontade. Segundo, porque eu sou incorrigível. Se me corrigisse, não seria eu. Pelamor, pelamor, pelamor!

O modo com uma pessoa escreve a torna única, inconfundível. A escrita é quase como uma impressão digital. Conheço pelos menos umas dez pessoas – amigos mesmo, gente comum. Nada de Fernandos Pessoa ou Carlos Drummonds de Andrade – cujos estilos eu reconheceria até debaixo d’água, só de ler.

Cacoetes, eu também tenho. Muitos além dessas duas palavrinhas aí em cima. Há, por exemplo, palavras com as quais eu implico a ponto de perder a concentração no texto. “Usufruindo” é uma delas. Detesto. Tem palavra mais feia? Por que não diz “aproveitando”, “curtindo”? Fica muito mais coloquial. Outro exemplo é “desfrutando”. Não suporto apesar de o sentido ser geralmente positivo. Por que as pessoas insistem em escrever difícil? Já sei! Vão dizer que é uma questão de estilo. A mim, parece que tomaram sopa de letrinha no café da manhã e precisam aproveitar o efeito!

Outra palavra que me dá nos nervos é “possui”. “Ah, esse produto possui muitas features para a senhora.” “Tem”, né? “Tem” muitas características, benefícios, tem vantagens, tem coisas que vão me deixar mais bonita e mais feliz... Tem que falar “possui”? Tem que falar “features”? Será que é pra parecer chique? Hmmm, vou escolher esse aqui porque ele “possui” muitas “features”. Vou “desfrutar” delas todas em meu "domicílio"!

Finalmente – não porque a lista de implicâncias acabou. Eu poderia continuar por horas, dias a fio. O que acabou foi o tempo para escrever – morro de nervoso com palavras em francês que as pessoas não sabem se são masculinas ou femininas e fazem a declinação de gênero como mais lhes agrada. Exemplos? Chantilly e mousse. “Hmmmm! Esse mousse está delicioso, ne c’est pas?” Pelamor...

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Por que os machos roncam?

Por falar em tendências ancestrais, vou contar uma muito bonitinha que ouvi outro dia.

Os machos roncam para proteger a fêmea e as crias.

Nos primórdios da história humana, quando viviam em cavernas, os homens eram alvos fáceis para predadores de médio e grande porte. Seu momento de maior vulnerabilidade era justamente quando dormiam. O ronco surgiu como mecanismo de defesa. Quando dormia, o Homem roncava, produzindo ruídos parecidos com os de animais bem maiores. Os predadores pensavam que havia outra fera na caverna e desistiam de atacar.
Pode até não ser verdade. Mas que é bonitinho, é.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Piscinanos

Meus filhos queriam um bicho de estimação. Pediram até para a pedagoga da escola falar comigo sobre os benefícios da presença de um animalzinho no desenvolvimento do afeto e da auto-confiança em anos de formação da personalidade. Cedi.

_ Pode um cachorro? Um gatinho? Um hamster? Uma iguana?
_ Pode um peixe.
_ Pôxa, mãe... um peixe?! Mas peixe não tem a menor graça.
_ É claro que tem.
_ Tem, nada. Ele fica só lá, nadando de um lado para o outro...
_ E não é legal?
_ Não, né, mãe? A gente não pode nem pegar nele. Nem brincar com ele.
_ Poder, pode. O problema é que ele morre.

Como viram que eu não iria além do peixe, eles se conformaram. Compramos o peixe, ou melhor, os peixes. Um para cada filho. Peixinho, aquário, plantinha, pedrinha, bombinha de fazer bolhas, lâmpada, comida... Ensinaram que a gente tinha que trocar um terço da água a cada duas semanas e limpar o aquário inteiro, com remoção dos peixes, inclusive, uma vez por mês, mas nunca chegamos a tanto.

Três semanas depois, um dos peixes começou a ficar esquisitão, desbotado, a nadar de lado e puf! Morreu. Dois dias depois, o segundo peixe o acompanhou. Choradeira geral.

_ Buáááááá! O meu peixe morreu!
_ E o meu tambéééééém! Buáááááá!
_ Ué, mas não eram vocês que tinham dito que peixe não tinha a menor graça?
_Mas a gente gostava deles, né mamãe?
_ Eu sei, pessoal. Vamos fazer assim, ó: a gente compra outros, que tal?
_ Outros??? Mas não vão ser os mesmos. Buááááá!
_ É. Não vão. Vão ser mais bonitos. Vamos?
_ Vamos. Snif...
_ Mamãe?
_ Sim, filha.
_ O que você vai fazer com os peixinhos que morreram?
_ Jogar na privada, ué!
_ Na privada??? Buááááááá!

A história se repetiu mais três ou quatro vezes e todos os peixes, sem exceção, sempre morriam antes de completar um mês. Todas as vezes, também sem exceção, as crianças choravam baldes de tristeza.

Na loja,

_ Mas a senhora deu comida direito?
_ Dei.
_ Limpou o aquário direito?
_ Limpei.
_ Trocou as pedras, as plantas, a água?
_ Troquei.
_ Que água a senhora está usando?
_ Filtrada, ué.
_ Ahhhh, não pode.
_ Não?!
_ Não. É melhor usar água mineral.
_ Mineral? Caramba! Que peixe fresco! Nem eu tomo água mineral; vou ter que dar água mineral pro peixe?!
_ Se a senhora quiser que ele viva.
_ Eu não faço lá muita questão. É mais pelas crianças, sabe?

Saímos da loja com os peixes números 10 e 11 e fomos direto para o supermercado comprar muita água mineral. Aquário novo, pedras novas, plantas novas e peixes novos super mimados com água mineral. Se deu certo? Deu. Viveram três semanas certinho. Nem um dia a mais.

_ Mamãããããããe! Eles morreram!
_ Caramba! De novo?
_ É. Buáááááááá!
_ Mas... os dois?
_ Ééééééé.
_ Mas com água mineral e tudo?
_ Ééééééééé. Buááááááá!
_ E se a gente comprasse uns peixes de plástico, hein?
_ Mas aí não iam ser animaizinhos de estimação.
_ Ué... e por que não?
_ Porque iam ser de mentira! Buááááá!

Desistimos. Deve ser algum dispositivo que colocam na loja pro peixe morrer em três semanas e você ter que ir lá comprar outro. Daqui pra frente, peixe, pelo menos para mim, só no prato.

O animalzinho das crianças? Ah, eles têm, sim. Um hamster que, segundo minha filha, não é parente dos ratos e sim dos esquilos. Fica lá, bonitinho, na gaiolinha com serragem... na casa do PAI deles.

Curtas

Alimentação express

Os gansos de foie gras levam uma vida duríssima. Para deixar o fígado gordo, cirrótico e cremoso do jeito que a gente adora, os pobre bichos são confinados em espaços minúsculos para se mexerem o mínimo possível - antes, costumavam pregar as patinhas deles no chão para deixá-los imóveis, mas acho que isso acabou - e alimentados por até três semanas através uma sonda ou funil que leva a comida diretamente ao estômago. Tudo para alimentá-los ao máximo, no menor tempo possível... mais ou menos como têm sido meus almoços.


Comida de pendurar

_ Nossa, mamãe! Que colares legais!
_ Gostou, filha?
_ Adorei. Parecem umas azeitonas!

Em dias em que não há tempo nem para almoçar, um colar de azeitonas pode ser uma boa pedida.


Importantíssimo

Trim, trim, triiiim!

_ Alô.
_ Mamãe?!
_ Filha, eu estou no meio de uma reunião.
_ Eu sei, eu sei!
_ Eu falei pra você não ligar.
_ Falou, mas também falou que eu podia ligar se fosse um caso de vida ou morte.
_ Foi só por isso que eu atendi o telefone. Quem morreu?
_ Sabe aquela espinha horrorosa que apareceu bem no meio da minha bochecha?
_ Sei. Gangrenou? Você vai morrer?
_ Não. Sumiu! Não é o máximo? Agora, minha vida volta a fazer sentido. Ah, mamãe, graças a Deus! Eu tinha que contar pra você...

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Males modernos

Qual é o nome da doença genérica que todas as crianças têm hoje em dia e que os médicos diagnosticam, independentemente do sintoma?

Alguém aí disse virose? Incrível! É ela mesma.

A virose é uma doença muito abrangente porque provoca tudo, desde febre com dor de barriga, a enjôo com tosse, passando, evidentemente, pela prisão de ventre com tontura, pela coriza com dor de ouvido e por todas as combinações desses males.

Deixaram de existir na medicina pediátrica coisas como com sarampo, gripe ou dor de barriga. Tudo é virose. Fico aqui me perguntando qual é o sentido e pagar um milhão de dólares por mês de plano de saúde, marcar hora, sair de casa, levar a criança atéééééé o consultório, esperar para ser atendido, para ouvir da médica (ou do médico. O diagnóstico é unissex, tanto para médico, quanto para paciente) que se trata de uma virose.

Há dois tipos de virose: a “que está dando direto por aí” e a “muito contagiosa”. Atualmente, minha filha, está com o pior tipo: a “muito contagiosa, que está dando direto por aí”. A medicação é a mesma que eu, que não sou médica e não entendo nada de virose, já estava dando em casa. De oito em oito horas, se a criança reclamar de dor.

Febre (ou não), dor de barriga e de cabeça (ou não), nariz escorrendo ou entupido, der nas costas ou de garganta? Fiquem atentos. Tem tudo para ser uma virose.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

A tentação da ostra

Um dia, voltando de uma viagem ao Japão, um amigo me trouxe de presente uma latinha do tamanho de uma lata de atum, com as laterais transparentes. Dentro, havia uma ostra. Na tampa metálica, os dizeres: "this oyster is guaranteed to contain at least one cultivated pearl. Made in Mikimoto Pearl Island, Japan".

Caramba! Uma ostra com uma pérola dentro? Que diferente! Conversando com ele, descobri que Toba é uma cidade portuária japonesa, cercada de ilhas. Uma dessas é justamente a Ilha das Pérolas, onde foi produzida a primeira pérola cultivada do mundo, em 1858. Ainda hoje, é possível assistir a demonstrações de mulheres mergulhadoras – as ama – que descem mais de 14 metros no mar, sem qualquer equipamento, para apanhar as ostras.

História à parte, lá estava eu, com o presente mais diferente que já havia ganho nas mãos, sem saber direito o que fazer com ele. Abrir ou não abrir? Se não abrir, conservo o presente, mas nunca terei o prazer de ver a pérola (e de saber se tem "mesmo" uma pérola aí dentro). Se abrir, fico com a pérola (que será apenas mais uma pérola, igual a tantas outras, urrava o meu lado romântico). Levei meses para decidir. Enquanto refletia, lembrei de um episódio de Amazing Stories, um seriado antigo, baseado em histórias do Stephen King.


No tal episódio, um homem recebia uma caixa vazia, sem fios, sem bateria, sem nada. Tudo o que havia nela era um botão. O responsável pela entrega dizia que o homem tinha uma semana para decidir se apertava ou não o botão. Se apertasse, ganharia 50 mil dólares e uma pessoa que ele nunca tinha visto antes, morreria. Simples assim. O episódio é ainda mais intrigante por causa das motivações que levam o personagem a decidir. O fato é que momentos depois dele apertar o botão, o responsável pela entrega reaparece, dá o dinheiro e p
ede a caixa de volta.

_ Mas... e agora? É só isso? O que vai acontecer?
O emissário sorri.
_ Agora, eu vou levar a caixa e entregá-la a uma pessoa que você nunca viu antes.

Você deve estar se perguntando o que a minha latinha de pérola tem a ver com essa, do Amazing Stories. Pois é. Nada. A única morte envolvida na minha história é a da ostra. E essa, eu garanto, já tinha partido desta para melhor muuuuito antes da lata chegar às minhas mãos. Acho que o que me lembrou foi o dilema, o conflito, a dúvida e a falta de paz de espírito.

Evidentemente, o lado pragmático venceu (quem me conhece, sabia desde o início). Abri a lata, tirei a ostra pingando um líquido castanho turvo, afastei as laterais da casca e fui cutucando a carne macia com a ponta dos dedos, até sentir uma coisinha dura. Pronto. Era a pérola. Linda, nacarada e perfeitamente esférica. Uma bela pérola. Igual a milhares de outras que já vi na vida.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Utilidade pública

Em tempos difíceis, de muitos desafios e pouca fé, o Pensatriz vem acudir, ajudando a abrir caminhos e fechar corpos. Escolha abaixo entre os nossos colaboradores credenciados.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

A delicada relação de simetria do eixo pé-boca ao longo de quatro décadas na sociedade ocidental contemporânea.

Algumas coisas não mudam nunca. Ou mudam, mas apenas de lugar.

Alguém aí já foi criança? Ótimo. Pois eu tenho um desafio para todos os meus leitores com idades entre 30 e 50 anos. Que atire a primeira meia fedida quem escapou de usar bota ortopédica na infância. Aquelas mesmo, horríveis, marrons ou pretas, que as mães compravam e faziam a gente calçar à força. As minhas viviam nos meus pés e tinham uns furinhos na frente que deixavam entrar um monte de areia do parquinho. Alguém? Alguém escapou? Talvez o moço ali, mordendo a caneta na frente do computador? Não?! E a mocinha que cria aranhas em casa? Também não?

Com base nessa teoria de que todas das crianças das décadas de 60 e 70 usaram botas ortopédicas, não é difícil concluir que naquela época, todo mundo tinha pé torto, chato ou ambos.

Hoje a coisa mudou, mas apenas de lugar. Que atire o primeiro frasco de Cepacol, o ser humano com idade entre 13 e 25 anos que escapou de usar aparelho ortodôntico. Não tem, né? Até em adulto, estão colocando aparelho! Hoje, cem por cento do universo tem algum problema gravíssimo de assimetria dentária que se não for corrigido a tempo, vai impedi-lo de comer, de respirar e até de falar. Isso, sem mencionar as dores de cabeça lancinantes que certamente o assombrarão até a terceira idade (“se” ele conseguir viver até lá).

Analisando em retrospectiva, imagino como conseguimos nos manter bípedes até o advento salvador das botas ortopédicas. Na seqüência, penso em como fomos capazes de evoluir com os dentes tãããããão impossivelmente tortos. Como nossos pais, avós e bisavós conseguiram viver, mastigar e procriar com uma boca daquela? Já sei! As arcadas estão diminuindo, né? Já não cabem os mesmos dentes na boca e só um bom aparelho, por quatro ou cinco anos, com taxa de manutenção mensal, pode nos salvar. Entendi. Deve ser porque com o passar dos anos, a chatice dos pés passou para a boca. Só pode ser.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Ridículo, ele?...

Eu acho incrível... tem gente que nem brasileiro é, mas que também não desiste nunca.

Depois de abrilhantar as telas dos cinemas por mais de três décadas, o galã hollywoodiano Sylvester Stallone – aliás, bonito o nome, não? Cheio de consoantes... Y-L-V-S..._ volta com mais uma versão de Rambo. Siiiiim, torcida brasileira, depois dos anos e anos dando shows de interpretação só comparáveis em termos de talento às atuações de Steven Seagal; depois de estrelar aos quase sessenta anos mais uma versão de Rocky, o Lutador; depois de um monte de silicone no rosto, algumas plásticas e um tantão de Botox que potencializou ainda mais sua expressividade dramática, ele volta com mais um filme da série.

Pelo que consegui apurar, parece que passados 15 anos (só 15?), John Rambo vive com a família como pacato cidadão americano, pagando a hipoteca da casa e os big macs dos filhos com bicos eventuais feitos para o exército. Coisa pequena... uma matançazinha no Haiti, um atentadozinho no Iraque, servicinhos menores.

Um desses serviços faz o pobre e velho Rambo se mudar para o interior do país. Uma vez instalado, ele descobre situações de racismo e preconceito envolvendo índios Navajos e homens brancos e fica doido da vida. Depois de tirar as calças e pisar em cima, Rambo parte para a carnificina pura e simples, lutando feito um animal para resgatar a filha de 10 anos, que foi feita refém, sem deixar o fraldão geriátrico vazar. Imperdível.

Participações especiais de Virgínia Lane, Dercy Gonçalves, Tônia Carreiro, Elizabeth Taylor e Sophia Loren, no papel da filha de 10 anos. Trilha exclusiva interpretada por Ângela Maria e Eliana Pittman

Ah, o Syl vai receber 30 milhões de cachê pelo filme. Quer saber? Ridícula sou eu.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

A poeira do jardim

Era sempre assim. Quando viajava, ela acabava encontrando um lugar para chamar de seu. Naquela cidade, enquanto todos escolhiam a torre, o museu, a igreja ou o rio, encantou-se com o jardim. Adorava andar sobre aquela areia branca e fina, que empoeirava os sapatos. Adorava aquela estética rigorosa, tão perfeita, tão simétrica, de domar a natureza para o mero prazer dos olhos. E passar perto das fontes para sentir os borrifos d’água no rosto nos dias mais quentes. E se sentar numa cadeira, no limite da sombra das árvores, para se perder nas páginas de um livro. Sempre que podia (ou que precisava cortar caminho), ia pelo jardim, de um museu ao outro. Divertia-se contando os amantes pelas alamedas. O recorde havia sido quatorze. Quatorze casais se beijando apaixonadamente, em plena luz do dia.

E os sapatos... ah, os sapatos, em um lugar com tanta coisa para ver, divertia-se olhando os sapatos alheios, só para descobrir quem havia escapulido para o jardim. Um dia, flagrou um mensageiro de hotel chique, todo elegante em seu uniforme, com os sapatos empoeirados de areia branca. Certamente ia responder pelo desleixo, o pobre. No metrô, sorria com os olhos baixos, pensando: almoçou no jardim, hein? Será que foi se encontrar com alguém? Será um amigo de muito tempo, um amor secreto, um pai, um filho?

Ela própria fazia questão de não limpar os seus. Deixava-os assim, com a fina camada branca, como lembrança dos bons momentos.

Quando voltou para sua terra, desempacotou malas e recordações, abriu presentes, deu outros, separou a roupa para lavar e guardou tudo com muito cuidado. Com as estações trocadas, demoraria algum tempo até usar tudo aquilo novamente. Esse ano, quando o primeiro frio se insinuou, pegou as botas marrons no fundo do armário e as viu, recobertas pela poeira branca do jardim. Em vez de limpá-las, calçou-as e manteve-as como estavam. E daquele dia em diante, sempre que as calçava, sorria baixinho como se comentasse: “estivemos lá juntas, não foi? Vocês se lembram...”

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Perfeito, o cacete

Hoje, eu pretendia atender ao convite do meu amigo Gastón e escrever um post sobre Um Dia Perfeito.

São Paulo amanheceu soterrada por uma greve do metrô. Se o trânsito em dias normais já é inviável, em dias de greve e ausência de rodízio, fica impossível. Cheguei ao trabalho pela manhã e saí depois de quinze minutos para uma reunião. O percurso, que normalmente não leva nem vinte minutos, levou quase uma hora. Ida, volta, almoço, trabalho, prazos comendo pelo pé. Lá pelas oito da noite, concluo que é hora de ir para casa antes que o cérebro fique (totalmente) paralisado. Contrariando os conselhos dos colegas, me despeço e saio.

Paulista é assim. Prefere percorrer o dobro da distância a ter que ficar parado. Munida desse espírito, pego uma quebrada aqui, outra ali, uma pra esquerda, outra pra direita, dando a volta, até que chego ao Largo de Pinheiros, uma área comercial popular que tem, dentre outras coisas, um mercado e um terminal de ônibus. Quem conhece, faz o possível para passar longe.

O rádio anuncia: “oito e vinte e seis da noite. Duzentos e trinta e quatro quilômetros de congestionamento em São Paulo.”

Meu carro é o terceiro da fila do meio, antes do farol. Em dias assim, a existência do farol é meramente psicológica porque não se progride um palmo, independentemente do que indique a cor. Enfim, havia seis carros na minha frente, dois ao meu lado e oitocentos e cinqüenta mil atrás de mim.

Da esquerda, surge um bando a pé. Uns doze ou quinze, todos sem camisa. Em grupos de três ou quatro, assaltam os carros da primeira fila. Todos. O farol abre. Nada muda. Desligo o rádio, confiro a trava da porta e agarro a direção. Segunda onda: mais grupos de três ou quatro nos carros da segunda fila. Na minha frente, um Volvo preto. O grupo grita e sacode a carroceria. Um deles, armado com um pedaço de pau, começa a bater no vidro do carro. Bate uma, duas, três, quatro vezes até que o vidro do Volvo estoura, fazendo barulho de demonstração de Dolby Surround Sound em cinema. O dono do porrete recua. Um colega de trabalho mete o pé no vidro, que cede. Ele mesmo se encarrega de arrancar o motorista pela janela. Estou a menos de três metros da cena. O dono do carro tem cinqüenta ou sessenta anos, é grisalho, levemente robusto e veste terno escuro, camisa clara e gravata vermelha. É extraído como um dente. Antes que consiga tocar o chão, o dono do porrete investe contra ele com o auxílio de outros, igualmente armados. Alguém já ouviu o barulho de um pedaço de pau batendo em carne humana? Ao vivo, digo. Dependendo de onde os golpes atingem, o ruído é mais abafado, como se fosse num sofá, ou mais seco, como se fosse numa mesa de bilhar. Do chão, o motorista grita, sangra e tenta proteger a cabeça com as mãos mas é golpeado várias vezes. Cai de vez e ali fica.

Situação: à minha frente, o Volvo vazio. À direita, o quinto carro assaltado. À esquerda, o motorista caído e diante disso tudo, os mesmos três carros que haviam sido assaltados na rodada anterior, ainda incapazes se mover.

Num átimo, o carro da esquerda desvia do homem no chão e sobe na calçada. Avanço um pouco, dou ré, bato no Volto de leve e pego a calçada também. Não progredimos mais de cinco metros. Apenas o suficiente para ocupar o primeiro e segundo lugares da pista da esquerda. O farol abre e meu companheiro de calçada avança de qualquer jeito, fechando ainda mais o cruzamento. Colo nele. Ficamos pelo menos mais cinco minutos naquelas posições. No meu corpo, nada funciona. O coração, talvez, mas não saberia dizer ao certo.

Pelo retrovisor, vejo alguns integrantes da turma do porrete se dispersando. Numa brecha, fujo. Não importa para onde. Ligo pra casa e quase mato minha filha de susto. Desculpe, filha,. É que eu precisava ouvir alguma coisa boa. Caio na Faria Lima abarrotada e abro o vidro apenas para vomitar. Chego em casa vinte minutos depois, chorando convulsivamente e tremendo da cabeça aos pés.

Merda de greve, merda de trânsito, merda de violência e merda de vida que a gente leva para (tentar) sobreviver.

É, Gastón. O Dia Perfeito vai ter que ficar para outro dia.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Ociosidade negativa

O conceito de "ociosidade negativa" foi desenvolvido em conjunto com um amigo de escola. Não nos vemos há vinte e quatro anos, mas pela vida que ambos levam, dá até para entender porquê.

Por sua complexidade, o conceito de ociosidade negativa só pode ser entendido por adultos. É mais ou menos assim:

Aí você arruma um emprego, sai da casa dos seus pais e quando se dá conta, virou adulto. Junto com o término da infância, nascem montanhas de obrigações, que aumentam em progressão geométrica com o passar dos anos, até que, por volta dos cinqüenta, começam lentamente a diminuir (sem nunca voltar ao ponto de origem).

A ociosidade negativa é a incrível capacidade de um adulto produtivo de ocupar 120% do seu tempo.

Ex.: Você trabalha, faz ginástica de manhã, sai de noite, viaja no fim de semana, almoça com os amigos e acha que está com o tempo bem aproveitado. Aí, nasce seu primeiro filho e você descobre, perplexo, quantas brechas de tempo havia na sua semana, sem que você soubesse.

Com o segundo filho, descobre-se o conceito de ociosidade negativa em sua plenitude. Porque agora, além de trabalho, ginástica, supermercado, feira, curso de extensão, cinema e passeio, você ainda tem que levar e buscar DOIS filhos na escola, no ballet, no judô, no inglês, no médico, no dentista e ler para eles, e comprar um par de tênis por mês, e alimentá-los, e aprender a letra das músicas deles, e decorar a coreografia dos Backyardigans, e cantar junto, e rolar no chão, e passar o sábado no clube, e ir às reuniões das DUAS escolas, e ouvir suas histórias, e dedicar um tempo "de qualidade"... e ai de você se reclamar porque aí, vai passar o resto da vida achando que foi um pai (ou uma mãe) omisso, ausente, obcecado por dinheiro, mesquinho, ditador e pouco compreensivo. Ah, e ainda tem adulto louco, que por cima de tudo isso, insiste em manter um blog e em escrever uma coluna semanal na Internet.

Nas aulas de Física aprendemos que o tempo é uma das poucas grandezas nas quais não se aplica o conceito de negativo. Pura balela. Certamente os físicos dos quais falavam os professores não tiveram mais de um filho, senão não teriam dito uma asneira dessas.