terça-feira, 31 de março de 2009

Da relatividade da existência

_ Mamãe, coelho da Páscoa existe ou não existe, afinal de contas?

_ Depende, filho.

_ Como assim, “depende”? Ou existe, ou não existe.

_ Você quer que ele exista?

_ Quero, mas eu acho que não existe.

_ E por que você acha que não existe?

_ Porque um menino na minha escola disse que não existia.

_ Talvez, para ele, não exista. Mas pode existir pra você.

_ Mesmo?

_ Mesmo.

_ Até quando?

_ Até quando você quiser.

_ Mas se o Coelho da Páscoa não existe, a Fada do Dente e o Papai Noel também vão deixar de existir, né?

_ Provavelmente.

_ Chato, né?

_ É, filho. Muito chato.

_ Se eles deixarem de existir, eu vou deixar de ganhar ovos de Páscoa e presentes no Natal e quando cair um dente?

_ Não.

_ Mas aí é você quem vai me dar, né?

_ Exatamente. Eu e outros adultos.

_ Acho que prefiro que eles existam mais um tempinho.

_ Eu também, filho. Definitivamente, eu também.

segunda-feira, 30 de março de 2009

A lógica da dor de barriga

_ Mamãe, eu vou ganhar ovos grandes ou pequenos na Páscoa?

_ Eu não sei, filho. De que tipo você prefere?

_ Eu prefiro dos dois tipos. Pequenos pra procurar e grandes pra deixar em cima da mesa, da cama e da cozinha e comer até dar dor de barriga.

_ Mas não é ruim ter dor de barriga?

_ Deve ser. Eu nunca tive.

_ É verdade. Acho que você nunca teve mesmo. Que sorte, hein?

_ Então, eu devia poder comer ovos até ter dor de barriga.

_ Mas se você sabe que é ruim, por que você quer ter dor de barriga?

...

_ Já sei!

_ O que você já sabe, menino?

_ Já sei porque eu quero ter dor de barriga.

_ E por que é?

_ Pra você poder dizer: “eu não disse? Olha aí! Agora você está com dor de barriga!”

_ E por que você acha que eu vou dizer isso?

_ Porque as mães sempre dizem.

_ Eu nunca disse, filho.

_ Dãããns! Porque eu nunca tive dor de barriga, né?

sexta-feira, 20 de março de 2009

Eu queria tanto

Ter todo o tempo do mundo para brincar com você.

Ter todo o dinheiro do mundo para realizar os seus sonhos.

Ter toda a paciência do mundo para entender suas manhas.

Ter toda a sabedoria do mundo para te ensinar só o que é bom.

Ter toda a certeza do mundo para fazer você se sentir seguro.

Ter todo o humor do mundo para rir sempre das suas histórias.

Ter todos os ouvidos do mundo para escutar o que você tem a dizer sem cansar.

Ter toda a energia do mundo para acompanhar o seu ritmo.

Ter toda a segurança do mundo para nunca falhar com você.

Ter toda a força do mundo para moer quem te fizesse mal.

Ter toda a disposição do mundo para embarcar sempre nos seus jogos.

Ter todos os olhos do mundo para ver os seus sorrisos.

Ter toda a disponibilidade do mundo para estar sempre por perto.

Ter todas as mãos do mundo para segurar as suas quando você precisasse.

Ter todas as palavras do mundo para poder te explicar o que nem eu entendo.

 Ter todos os braços do mundo para não te soltar nunca.

Só que eu sou só sua mãe e não tenho nada disso.

O que eu tenho é todo amor do mundo, filho. E ele é seu.

Parabéns, meu anjo.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Yes, you can

Ouça SEMPRE as sábias palavras da tia Gloria Gaynor.

O primeiro coração partido.

Minha filha,


O primeiro coração partido não é fácil de lidar.

Lembro muito bem de quando levei o primeiro fora (foram vários) do meu primeiro namorado (também foram vários).

Lembro da sensação de vazio, da angústia, de olhar para os próximos cinquenta ou sessenta anos e de não enxergar absolutamente nada que valesse a pena.

Lembro de chorar muito. E alto. Eu chorava alto, filha. Queria que o mundo inteiro ouvisse o tamanho da minha dor.

Lembro de me sentir péssima, arrependida e de imaginar que se tivesse sido um pouco mais legal / paciente / tolerante / fácil (?!), talvez continuasse tudo bem.

Lembro de achar que nunca havia amado tanto na vida e que nunca amaria de novo.

Lembro da minha mãe me olhando com olhos brandos e dizendo que era só o começo e que eu ainda passaria por aquilo dezenas de vezes.

Lembro de responder que não aguentaria e que, se viver era aquilo, eu preferia morrer.

Lembro também da sua avó dizendo que o motivo de toda a minha tristeza era um babaca sem noção (na verdade, ela não disse “babaca sem noção”. Sua avó nunca falou assim. Estou adaptando para os dias de hoje) e que eu era infinitamente melhor do que ele.

Lembro de achar que nunca passaria.

Felizmente, lembro que passou. E passou várias vezes.

 

Exatamente como está acontecendo com você hoje, minha filha.

 

Você, meu amor, é maravilhosa. É um oásis nesse mundo cronicamente adolescente, tão ressecado de gentileza e inteligência. Você é sensível, delicada, culta, articulada, escreve lindamente e tem os cabelos e as pernas mais sensacionais que eu já vi na vida. Você tem olhinhos de jabuticaba e nariz de tobogã. E tem covinhas!

 

Você, minha filha, é um espetáculo em três atos para ser assistido e apreciado com calma. E não tem bundão, merdão, bostão, crianção, melecão no mundo que mereça uma lágrima sua que seja. Você nasceu para ser admirada e valorizada por alguém com muita sensibilidade. E até você encontrar essa pessoa – e você vai encontrar, eu garanto – vai deparar com um monte de lixo pelo caminho. Faz parte. Conhecendo, experimentando (e sofrendo até), a gente aprende a refinar a sensibilidade e a depurar o coração. E a cada bundão que te chutar, você vai estar mais preparada para reconhecer o amor da sua vida. Você vai ver.

 

Tenha fé, meu amor. Fé e força na peruca, que esse mundo é um hospício, mas é maravilhoso para mulheres valentes e lindas como a que você está se tornando.

 

Te amo,

 

Mamãe.

 

P.S.: e vai passar. Eu prometo. Eu sei que parece que não, mas vai. 

quinta-feira, 5 de março de 2009

O chato

Em todos os lugares tem um chato. Chatos de diversos estilos e modelos, sempre prontos pra desequilibrar a frágil harmonia dos lugares.


Meu chato de hoje, estava na piscina, às sete da manhã.


Escolhi a natação como esporte justamente porque é uma coisa na qual só dependo de mim e, de touca, óculos e rosto enfiado na água, não dá pra socializar com os outros. Ótimo. A intenção nunca foi essa mesmo.


Mas o chato da piscina não pensa assim. E enquanto o professor explica algumas técnicas simples, finalizando as frases com, “não é?” e “entenderam?” meramente retóricos, o chato faz questão de responder lááááá da sétima raia, pra todo mundo ouvir: “ÉÉÉÉÉÉÉÉ”; “ENTENDI, PROFESSOR”. Quando se dá conta de que todo mundo se vira para conhecer o autor de tanta interatividade, o chato se realiza. Está conseguindo chamar a atenção desejada. Então, mais confiante do que nunca, começa fazer comentários bem humorados – do ponto de vista dele – na seqüência das explicações. Tudo bem alto, pra todo mundo ouvir. Resignados, os demais presentes se concentram em ignorá-lo, mas nem sempre funciona porque poucas coisas na vida são piores que um chato que se sente ignorado. Eu, aliás, só consigo pensar em uma: um chato com bafo.


Bafo é muita deselegância. É muita falta de consideração com o próximo – no caso, próximo mesmo; na mesma raia. Fico aqui pensando: um tubo de pasta de dente custa uns dois reais; uma escova turbinada, pouco mais de cinco. Usado diariamente, depois das refeições, o conjunto dura uns bons três meses. Custa o chato-falador-bafo-de-onça escovar os dentes ou fechar de vez o bueiro?


Só afogando...

terça-feira, 3 de março de 2009

Mudanças

Na piscina:

 

_ Oi!

_ Oi.

_ Seu nome é Gabriel?

_ É, sim.

_ E você fez ESPM?

_ Fiz, mas faz muuuito tempo.

_ É. Eu sei. Eu estudei com você.

_ É mesmo? Nossa! Nem te reconheci. Deve ser porque você está de óculos escuros.

_ Não, Gabriel. Na verdade é porque se passaram quase vinte anos.

segunda-feira, 2 de março de 2009

O que você tem na barriga?

_ Mamãe, você vai ter mais um bebê?

_ Comasssssssim, menino? Você enlouqueceu? Filhos são muito caros, eu já tenho um de cada tipo e não pretendo ter mais nenhum. Por quê?

_ Porque tem uma barriginha aqui.

_ Barriguinha? BARRIGUINHA? Isso é coisa que se diga? Sua mãe malha diariamente, se esforça, come mais folhas que um ruminante e você vem que dizer que “tem uma barriguinha aqui”?! Que falta de sensibilidade, meu filho.

_ ... mas é uma barriguinha bonitinha. Uma barriguinha de bebê.

_ NÃO TEM barriguinha aqui. E nem bebê, entendeu?

_ Tem sim.

_ Não tem, não tem, não tem.

_ Tem.

...

_ Mamãe, você está chorando?

_ Tô. Snif.

_ Só porque eu falei que tem um bebê na sua barriga?

_ Não! Porque você disse que tem uma barriga na minha barriga! NUNCA mais diga isso a mulher nenhuma, entendeu? NUNCA MAIS!

_ Por quê?

_ Porque a gente fica triste. E porque é deselegante, e cruel.

_ Bebê é cruel?

_ Nãããão! Barriga é cruel. Mas pensando bem, bebês também são cruéis. Às vezes.