sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Extermínio

A vida é uma luta. A gente mata um leão por dia, todo dia.


Mata um leão por dia e ainda reclamam se a gente está cansada à noite; se não tem pique pra sair; se não consegue dar mais "tempo de qualidade" aos filhos...

A gente mata um leão por dia e ainda dizem que a gente devia dar mais, sorrir mais, brincar mais, pensar menos...

 

A gente mata um leão por dia. Com febre, com dor de cabeça, com sono, com o coração partido e ainda precisa se desculpar porque está mal humorada...

 

A gente mata um leão por dia e tem que ouvir que é fria, que esqueceu de depilar, que precisa retocar as raízes, que devia escolher outro esmalte...

 

A gente mata um leão por dia e ainda é posta contra a parede, e denegrida, e diminuída, e humilhada.

 

A gente mata um leão por dia e não tem apoio quando mais precisa.


A gente mata um leão por dia. 


Tem dia que mata dois. 


E não é suficiente.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Coisa de bicho

Em casa, de vez em quando, a gente vê Animal Planet. Gosto de ver os bichos com você, filho (menos quando são insetos, porque aí me dá coceira televisiva no nariz, mas isso a gente fala outra hora) e você também adora. Sua irmã não liga muito, mas você ainda se emociona com os pingüins, os elefantes, as zebras, os grandes felinos e as baleias. Gosta de ver as dinâmicas entre pais e filhos; gostava dos cangurus até ver de que jeito os filhotes saem da barriga, quando vão pra bolsa da mãe.


Eu acho engraçado que quanto menor a gente é, mais bichinho. Tá certo que alguns adultos são uns animais, mas não é disso que a gente está falando. O assunto aqui é instinto animal e você ainda tem isso muito aguçado. Quando a gente vai brincar, você sempre dá um jeito de tocar em mim e quando a gente lê à noite, antes de dormir, você sempre se deita ao meu lado e encosta a cabeça na minha, meio que como desculpa pra ver melhor os desenhos. Mas eu sei que não é por isso, filho. Sei que da mesma forma que os bichos que a gente vê na TV, mamães e filhotes humanos também têm essa necessidade de toque e faro.


E é tão bom cheirar você, filho... mesmo no fim do dia, quando você já viajou para mil planetas, já desbravou vulcões, já lutou com dinossauros e sua cabecinha está suada, você cheira tão bem.... acho que é porque cheira a meu. E eu me pego na sua cama ou na porta da sua classe, na escola, cheirando seu rosto, seu pescoço e te enchendo de beijos, enquanto você faz cara de sufocamento e pergunta se eu estou de batom. E eu morro de rir e digo que “com ou sem batom, eu beijo, sim; beijo o quanto quiser e vou continuar beijando porque você é meu, fui eu que fiz e pronto”.


Depois do banho, a gente passa lavanda. Eu capricho na sua nuca, nos braços e passo um pouco no pescoço, embaixo no queixo, dizendo que é pós-barba. Você morre de rir e diz que eu sou boba. Sou nada, filho. Porque ainda ontem você era um bebezinho que cabia em cima de um travesseiro e hoje você já tem seis anos, já escreve e no ano que vem, já vai pra escola de gente grande. Daqui a pouco vai usar pós-barba de verdade, vai perder esse instinto de bichinho (como a sua irmã perdeu) e vai querer distância de uma mãe que insiste em fungar no seu pescoço. Tudo bem, filho. É justo. Eu também não consigo nem imaginar minha mãe me cheirando hoje em dia. Ainda bem que a natureza fez tudo tão direitinho, que algum tempo depois que perde esse instinto, a gente tem filhos e netos. Assim, tem sempre alguém pra gente cheirar e alguém louco pra ser cheirado por perto.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Infinito

_ Mamãe, o que é infinito?

_ Ah, meu filho, infinito é uma coisa que não acaba nunca; sem fim.

_ E o número infinito?

_ Os números são infinitos exatamente por isso; porque não têm fim.

_ Como assim?

_ Assim, ó: mesmo que você pense em um número muito, muito, muito grande mesmo, se somar mais um, vai ter um número maior ainda.

_ Mas e se eu pensar no maior número do mundo?

_ É isso que a mamãe está tentando dizer: o maior número do mundo não existe.

_ Como não existe?

_ Não existe, filho. Os números são infinitos.

_ E um trilhão?

_ Não é o último.

_ E um bilhão de trilhões?

_ Ih, tá longe de ser o último...

_ Eu vou inventar o último número.

_ Não vai.

_ Como “não vou”?

_ Não vai porque não existe, filho.

_ E se eu conseguir?

_ Bem, se você conseguir, provavelmente ganha o Prêmio Nobel da Matemática, que nem aquele maluco que provou que um coelho pode virar uma bola, mas um donut, não; mas eu não sei se é um bom negócio.

_ Um gazilhão. Pronto. Um gazilhão é o último número.

_ Não é.

_ Como não é, mamãe? Eu estou dizendo que é.

_ E eu estou dizendo que não é, filho porque se você somar um, fica um gazilhão e um.

_ Então pesquisa pra mim...

_ Não adianta eu pesquisar, filho. Essa resposta não existe, entendeu?

_ Então faz assim, ó: pergunta pra alguém inteligente e depois me conta, tá?

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Vaidade ou desapego?


Está chovendo em São Paulo. Muito. Aquela chuva implicante, que molha sapatos e barras de calças e torna o simples ato de andar na rua um desafio.

Quando chove assim, cada um se defende como pode. Há os privilegiados - a não ser pelo trânsito - que vão de uma garagem a outra, secos como um Dry Martini e há os que são obrigados a enfrentar alguns quarteirões, a pé, debaixo d'água. Hoje, pela manhã, vi uma surpreendente integrante do segundo grupo. Não fosse a minha preguiça imensa de baixar fotos tiradas no celular, eu teria a prova para mostrar aqui.

Pois lá ia a moça, apressada, bolsa firmemente presa ao corpo, capa úmida, calças escurecidas e touca de banho na cabeça. Florida. Não. Não era um chapéu, nem um gorro, nem um boné. Sim, eu tenho certeza. Séria e determinada, deve ter optado pela durabilidade do penteado em detrimento da estética. 

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Os perigos do caminho


_ Mamãe, pra onde você vai?
_ Que pergunta, filho. Pro trabalho, ué! É pra onde eu vou todos os dias.
_ Olha, toma muito cuidado, viu?
_ É claro que tomo. Mas com o quê, especificamente?
_ Ora, com os vulcões e os buracos negros.
_ Mas não tem isso aqui, meu filho. Fica tranqüilo.
_ Mas você falou que o buraco negro suga tudo o que está em volta, lembra? E também contou daquele vulcão terrível que brotou do chão em uma semana. Já pensou se um rio de lava arrastar você, e você não voltar pra casa, e eu nunca mais te vir, e você morrer e...
_ Ok, filho. Eu tomo cuidado.
_ Tá. Me liga quando chegar?
_ Não.
_ Por que não???
_ Porque você vai estar na escola.
_ E como é que eu vou saber se você chegou bem?
_ Ah, filho, eu não chego todo dia?
_ Chega, mas antes eu não sabia que era tããão perigoso.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Anti-matéria


_ Mamãe, o que são átomos?

_ Meu filho, o que você anda assistindo? Talvez você devesse ver mais Discovery Kids, que tal?

_ Mas o que são átomos?

_ Ai, Xisus. Lá vamos nós. Átomos, pelo que eu me lembro, são a menor partícula da matéria.

_ A menor?

_ Quase. Porque os átomos são formamos por partículas ainda menores, mas isso não vem ao caso.

_ Hmmm... como assim, “matéria”?

_ Matéria é tudo, filho. Tudo o que tem massa.

_ Massa?

_ Tudo o que você consegue pegar é matéria.

_ Ahnnn... tudo?

_ Tudo o que você consegue pegar.

_ Até as plantas, os vulcões, os dinossauros?

_ Tudo isso.

_ Mas os dinossauros estão extintos!

_ Mas você pode pegar nos esqueletos deles. Então, eles são matéria.

_ Mas os fios de alta-tensão não são, né? Porque eu não posso pegar.

_ Eles também são matéria, filho. O problema é que você sabe que não deve pegar porque vai tomar um tremendo choque, né?

_ O Peru é matéria?

_ O país ou o bicho?

_ O país.

_ Um país não é matéria, filho. Um país é um território, uma convenção política, mas tudo o que tem no Peru é matéria: as lhamas, as Cordilheiras dos Andes, as ruínas incas...

_ A Lara Croft é matéria?

_ Hmmm... é.

_ E tudo isso é átomo?

_ Tudo isso é átomo, sim senhor.

_ Tudo, tudo?

_ Tudo, tudo.

_ Até um filhotinho de dinossauro bem pequenininho? Até aquela poeirinha que fica no cantinho da parede?

_ Até ela.

_ E o buraco negro?

_ O que é que tem o buraco negro, filho?

_ Ele também é matéria?

_ O buraco negro é anti-matéria, filho. Quer dizer, eu acho que é. Ou talvez tenha a ver com uma área de gravidade muito, muito alta, que atrai tudo para dentro dela. A verdade é que eu não lembro direito.

_ Jura?! E o que é anti-matéria?

_ Anti-matéria é o oposto da matéria.

_ Entendi! As coisas que eu não posso pegar, né? Os anjos, a fada do dente, o coelho da Páscoa...

_ Não, filho. Não é bem assim.

_ E como é então?


Ai, Xisus! Tem algum astrônomo lendo isso, para acudir uma mãe em agonia?

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A chegada da primavera

_ Mamãe? Quando começa a primavera?

_ Em cinco dias, filho.

_ E agora?

_ Agora faltam quatro.

_ E agora? E agora?

_ Amanhã, filho.

_ Amanhã? Segunda-feira?! A que horas?

_ Às 12h44.

_ O que eu vou estar fazendo essa hora?

_ Almoçando.

_ No começo, no meio ou no fim do meu almoço?

_ Hmmmm... no meio.

_ Então, vou almoçar em rápido pra primavera chegar antes.

_ Não vai adiantar.

_ Não?!

_ Não. Você pode nem almoçar, que a primavera vai chegar na mesma hora. Nem um minuto antes.

_ Ah, eu tô tãããão ansioso.

_ Por que, filho?

 _ Porque a primavera vai chegar, mamãe! Já pensou?

_ Filho, entenda bem: a chegada da primavera não é uma coisa que aconteça fisicamente. Assim, ó: não é que a primavera vá tocar a campainha e entrar, entendeu?

_ Dãããns, eu sei disso, né, mamãe? Só faltava... mas eu tô feliz mesmo assim.

_ Por quê?

_ Ué, porque a primavera é a estação das árvores, das flores, dos passarinhos; é a estação de dias lindos, azuis e ensolarados, é...

_ Filho, deixa eu te falar uma coisa: o tempo não vai mudar instantaneamente só porque a primavera chegou. Se a gente estiver no meio de uma frente fria, o tempo vai continuar feio, com ou sem primavera. O que acontece é que com o passar dos dias e das semanas, o tempo tenderá à melhora, entendeu?

_ Entendi, mas você é muito chata.

_ Eu não sou chata, meu filho. Só estou querendo evitar que você fique triste, achando que a primavera vai chegar e que tudo vai mudar, porque não é bem assim que acontece. Entendeu?

_ Entendi.

_ E então?

_ Chata. 

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

I see plastic people

De uns tempos pra cá, eu penso, penso e não consigo achar resposta. Por que, em nome de Deus, envelhecer virou vergonha? Por que as pessoas não podem mais ostentar rugas? Por que a gente liga a TV e só vê gente de plástico, todos com a cara igualmente improvável? De repente, marcas e sulcos passaram a ser ocultados como se fossem... argh! Contagiosos! O que?! Eeeu?! Ficar velha?!!! Deusmelivreeguarde!


Com isso, homens e mulheres estão todos com a mesma cara. Não. Não é com a mesma expressão, porque expressão é algo de que os “novos jovens” abdicam. É a mesma cara mesmo. A mesma testa-lisa-que-não-mexe-nem-por-decreto, as mesmas linhas engomadas, o mesmo nariz fino de canudinho e o mesmo bocão natural feito uma nova de trinta.


E não é que o Botox, o Restilane e o preenchimento labial viraram a nova peruca? Aquele acessório que quem usa acha que está discretíssimo, mas que a gente nota a uma quadra de distância.


Com a moda dos “novos jovens” tenho visto mulheres (e homens) lindas – e jovens –irreconhecíveis. Deve ser por isso que outro dia, vi um filme com a Julie Christie – a Lara, do Dr. Jivago – que me chamou atenção: a história é até boa, mas o que me prendeu foi alguma coisa no rosto de Julie, que deve ter seus 67 anos. Estranhamente bela, diferente, intensa... levou algum tempo até me dar conta do que era: as rugas! Julie Christie tem rugas! Rugas reais, marcando um rosto belíssimo e sinalizando a passagem de um tempo amigo, brando, digno.


Incrível como a coisa desandou de tal forma, que hoje a gente estranha o que é natural. Ao vê-la, decidi, sem arrogância nem presunção, que quando envelhecer, se Deus me ajudar e a vida me for amena, eu quero ser igual à Julie Christie. E tenho dito.


segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Xente xófen


_ Vixxx, tá acabando o prazo da campanha de vacinação. Preciso ir tomar logo a vacina contra rubéola.
_ Precisa não, Ana.
_ Como assim “precisa não”, pessoa? Claro que preciso.
_ Não precisa.
_ E por que não, hein?
_ Porque você já passou da idade.
_ Eu, O QUÊ?
_ É só até trinta e nove anos, Ana.
_ POIS EU TENHO TRINTA E NOVE ANOS, SER HUMANO! TRINTA E NOVE ANOS RECÉM COMPLETOS. E AGORA VOU TOMAR ESSA DROGA DE VACINA NEM QUE NÃO PRECISE PORQUE VIROU UMA QUESTÃO DE HONRA.
_ Nossa...
_ O que foi? O que foi, HEIN? “Nossa”, o quê?
_ Trinta e nove?
_ É. Por quê? POR QUÊ???
_ Porque eu tenho vinte. Você podia ser minha mãe.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O dente

Meu filho,

Pra você, não é nada. É só o primeiro de outros vários que vão cair. O primeiro passo para uma coisa que vai ser sua para sempre.

Para mim, meu filho, é um marco.

Mães têm isso. Mães são bichos que se emocionam a ponto de soluçar em festas da escolinha, mesmo depois de anos e anos. Mães são animais que olham para as crias e choram de amor. Não é lindo chorar de amor, meu filho? Acho que ninguém pode dizer que é verdadeiramente feliz, enquanto não tiver chorado de amor pelo menos uma vez na vida. Mães guardam cartas com rabiscos que nem elas entendem e desenhos com amebas peludas porque um dia, um filho disse que éramos nós, as mães, ali, no papel, e que aquela manchinha verde era o nosso vestido lindo e que o risco vermelho era o nosso batom. Mães são capazes de olhar a gente dormindo e de nos achar tão grandes e tão pequenos ao mesmo tempo, que choram tudo de novo, só de saudade pelo que foi e de orgulho pelo que está sendo.

Mães sonham, desejam e projetam tudo o que imaginam de melhor, mais bonito, mais macio, quentinho e cheiroso nesse mundo para os filhos. Mães também brigam. Principalmente com os outros. Principalmente com criaturas obtusas que não percebem que nossos filhos são as coisas mais espetaculares que Papai do Céu já teve o capricho de pôr no mundo.

Seu dentinho, filho, eu guardei (foi uma dureza arrancá-lo da Fada do Dente, mas ela há de saber que não há nada mais forte no mundo - nem vulcão, nem dinossauro - que uma mãe determinada). 

Guardei pra olhar pra ele e lembrar do quanto você já foi pequeno. Pra olhar pra você e ver o quanto você cresceu. 

Guardei porque eu estava lá quando esse dente que caiu na quarta-feira, apontou na sua gengiva. Eu estava lá, filho, quando pedi pro seu tio trazer do Free Shop aquele mordedor vibratório refrigerado, lembra? Que coisa louca era aquilo, filho! Você adorava e a gente morria de rir com suas caretas. Eu estava lá – e ainda estou – todas as manhãs e todas as noites, quando a gente escova os dentes. E faço você bochechar três vezes, sim, pra lavar toda a pasta. “Porque a pasta é o sabonete do dente.” E faço você abrir um bocão pra escovar atéééé lá no fundo. E te falo como é importante escovar a língua também. Você não gosta muito da parte da língua, mas um dia, daqui a alguns dentes, você há de me entender. No fim, você joga fora a água que sobrou no copinho, eu molho a mão e lavo seu rosto. Você sempre ri e sempre tenta lamber minha mão. E eu sempre escapo. Ou quase sempre.

Seu dente, filho, agora é meu. É uma parte sua que eu vou guardar pra sempre. Porque o resto de você, meu amor, por mais que eu queira pra mim, vai ganhar o mundo. Que mundo de sorte esse, não?

Te amo,

Mamãe

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Discretíssimo

Trim, trim, triiiiim! 

_ Alô?
_ Mamãe? É o Montanha. 
_ Oi, meu filho. 
_ Eu tenho uma notícia espetacular! 
_ É mesmo? Diga... 
_ É que o meu dente caiu! 
_ Caiu, filho?! Sensacional! Owwwnnn, que bonitinho. A mamãe está tão emocionada... 
_ Por quê?
_ Porque o seu dente caiu; porque você tá crescendo; porque ainda ontem, você era um bebezinho banguela e agora está banguela de novo; porque a vida é um eterno recomeço; porque... 
_ Mamãe, esse negócio de Fada do Dente é pra valer ou é que nem Papai Noel, que nunca traz o que eu quero? 
_ Veja bem, meu filho: a Fada do Dente é uma mulher ocupadíssima. Ela passa a noite inteira colocando coisas embaixo do travesseiro de crianças que perderam dentes no mundo todo. 
_ Então, ela tem os dias livres... 
_ Tem, nada. É sempre noite em algum ponto da Terra, lembra? A Fada do Dente passa 24 horas por noite trabalhando. 365 noites por ano. É uma jornada desumana... ainda bem que ela não é humana. 
_ Uau! 
_ É. Uau mesmo. É por isso que você precisa pedir uma coisa que a Fada consiga viabilizar com alguma facilidade. 
_ Ela voa? 
_ Voa. 
_ Ela é forte? 
_ Acho que é. 
_ Então, que tal um vulcão? 
_ Hmmmm... eu não acho muito seguro a gente ter um vulcão no quarto, não é? 
_ Tá bom. E um dinossauro? 
_ Filho, tem que ser uma coisa que caiba embaixo do seu travesseiro!!! 
_ Um filhotinho, então. Um ovinho de dinossauro. 
_ Dinossauros estão extintos, filho, lembra? 
_ Ah, é. 
... 
_ Posso pedir a Lara Croft? 
_ Não. Primeiro, porque ela não cabe embaixo do seu travesseiro. Depois, porque ela está muito ocupada em casa, cuidando dos seis filhos dela e do Brad Pitt.
_ Já sei! Eu quero ir pro Nepal. Uma passagem pro Nepal cabe embaixo do meu travesseiro! 
_ Não vai rolar. 
_ Por quê???
_ Porque uma passagem para o Nepal custa muito caro e se a Fada do Dente te der uma, ela vai ficar sem dinheiro pra comprar os presentes de milhões de outras crianças no mundo todo. 
_ Pó de pirlimpimpim, então? É pequeno, cabe embaixo do travesseiro e aí eu posso voar e ir pro Nepal, pro Peru, pra onde eu quiser... 
_ Ah, filho, também não dá. Pó de pirlimpimpim não existe de verdade. 
_ Que droga... então, qual é a vantagem de perder o dente? 
_ Perder o dente significa que você está crescendo, que está ficando grande e que vai ganhar um dente forte e bonito, novinho em folha, pra você cuidar para o resto da vida. 
_ Quando? 
_ Daqui a pouco. Logo, logo, vai começar a crescer um dente novo nesse buraquinho.
_ Logo, logo, quando? 
_ Ah, meu amor, sei lá. Em umas duas semanas... 
_ E ele cresce de uma vez? 
_ Não. Você não vê os seus amigos na escola? Ele cresce bem devagar, leva um mês ou mais... 
_ Ai, meus Deus! Quer dizer que amanhã eu vou ter que ir pra escola sem dente? 
_ Vai, ué. E não é legal? Todo mundo vai. É bacana... 
_ Então, já sei o que eu vou pedir pra Fada do Dente. 
_ O que, filho?
_ Uma dentadura, pra disfarçar.

Quem pode mais?

_ Mamãe, você não disse que os dinossauros foram os maiores e mais poderosos seres vivos da face da Terra?
_ Hmmmmm... disse.
_ E é verdade?

_ Claro que é, filho. Por que eu mentiria pra você?
_ Eles eram grandes mesmo?

_ Muito grandes. Imensos.

_ E muito poderosos?

_ Poderosíssimos, embora não fossem muito inteligentes.

_ Mais poderosos que os vulcões?

_ Filho, veja bem: não é justo comparar grandezas não equivalentes. Dinossauros são seres vivos e vulcões são fenômenos da natureza.

_ Por que não é justo?

_ Porque não dá pra comparar. Você consegue comparar uma bola com uma laranja?
_ Consigo, ué. As duas são redondas. Uma eu como, outra eu chuto.

_ Sei. E um abajur com um avião?

_ Fácil! Os dois começam com “A”.

_ Tá bom, filho. Você venceu. Os vulcões eram mais poderosos que os dinossauros. Pronto.

_ Então, você mentiu pra mim.

_ Não menti, não.

_ Mentiu.

_ Não menti.

_ Mentiu.

_ Por que você acha que eu menti, filho?

_ Porque os dinossauros não foram os seres vivos mais poderosos da face da Terra, ué! Os vulcões eram mais poderosos que os dinossauros.
_ Só que os vulcões não são seres vivos. Rá! Te peguei! Vou até pôr essa no blog!

_ Nem os dinossauros, ué! Você não falou que eles já tinham morrido há muito, muito, muito tempo?

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Perguntas incandescentes

_ Mamãe, por que Saturno tem anéis? Quando é primavera em Netuno? Faz lua cheia em Vênus? Neva em Júpiter? O que tem no interior de Urano?

_ Páááááára, meu filho! Pára, pelamordedeus! Tenha piedade da sua mãe. Eu não sei. Não sei, não faço idéia, nem desconfio, tá bom?

_ Mas você disse que ia pesquisar pra mim...

_ Eu disse e estou pesquisando, filho. Eu já comprei livros, já lemos Atlas e já alugamos filmes. Só que eu não sou astrônoma, não trabalho na NASA e nos intervalos entre uma pesquisa e outra, eu preciso trabalhar pra alimentar os terráqueos que moram comigo.

_ Tá bom... Posso fazer só mais uma pergunta?

_ É sobre planetas, buracos negros ou outras galáxias?

_ Não. É sobre lava.

_ Ai, Xisus. Lá vamos nós de novo. Manda, menino.

_ Sabe a lava vulcânica?

_ Sei.

_ Aquela que você disse que era como se a Terra vomitasse?

_ Sei, filho. Progride.

_ O que acontece se eu fizer cocô na lava?

_ O quê???

_ Cocô, mamãe. O que acontece?

_ Acontece que você morre porque a lava é quente demais; é como um rio de fogo incandescente e se você chegar perto o bastante para ir ao banheiro, será carbonizado na hora.

_ Sei, mas e se eu usar minha super roupa de chumbo e amianto indestrutível?

_ Vai ser um inferno ir ao banheiro usando um troço desses...

_ Mamãe... colabora, vai.

_ Ok, filho. Se você jogar fezes na lava, eu acho que as fezes viram pedra.

_ O cocô vira pedra?!

_ Acho que sim, filho.

_ De que cor?

_ Ah, sei lá. Acho que preto.

_ Preto?! Uau!!! Por quê?

_ Porque carboniza, filho. Vira carvão.

_ Legal! E se eu fizer xixi na lava?

_ Xixi, vejamos... acho que evapora.

_ Evapora? Vira vapor? Vapor de xixi? Irado! E se eu vomitar na lava?

_ Eca, filho! Que nojo!

_ Ué, mamãe, não foi você mesma que disse que a lava era como se a Terra vomitasse? Se a Terra pode vomitar, por que eu não posso? Eu, hein...

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Problema de gravidade

_ Mamãe, por que é que a gente fica na Terra?
_ Como assim, meu filho?
_ Por que é que a gente fica pregado, na Terra?
_ No chão, você quer dizer?
_ É. Por que é que a gente não sai voando?
_ Bem, a gente não sai voando porque não tem asas e porque não foi feito para voar. A gente fica preso na Terra por causa da força da gravidade.
_ O que é isso?
_ É uma força que atrai tudo o que está na superfície para o centro da Terra. Ela mantém tudo o que está aqui, grudado no chão.
_ Tudo?
_ Tudo, meu filho.
_ Até os prédios?
_ Até os prédios, até os elefantes, tudo, tudo.
_ Menos os passarinhos, né?
_ Rsss... a gravidade atua sobre os passarinhos também, só que eles têm asas e por isso, voam.
_ Então é uma força muito forte, né, mamãe?
_ Muito, muito forte, meu filho.
_ Mais forte que os dinossauros?
_ Muito mais forte que os dinossauros.
_ Mas... e se força da gravidade acabar?
_ Isso não vai acontecer.
_ Como é que você sabe? Porque os dinossauros também eram muito grandes e muito, muito fortes e acabaram, né?
_ É, filho. Mas a gravidade não vai acabar.
_ Promete?
_ Prometo. As chances da gravidade acabar são iguais às chances do oxigênio acabar.
_ O oxigênio também pode acabar? Ai, meu Deus!...

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Dia de sorte


Sorte é uma coisa engraçada.

Depois de cinqüenta minutos dentro do carro, num percurso que não deveria levar mais de vinte, chego, finalmente, às imediações de casa.


Hora do almoço, muita gente na rua. De dentro do carro, vejo duas moças fumando. Deviam ter acabado de almoçar e estavam voltando para o trabalho. As duas apagam o cigarro ao mesmo tempo, jogando as pontas na calçada.


Olho e concluo baixinho que educação é algo que se (des)aprende cedo.


A uns dois metros dali, um mendigo pára de cutucar o lixo e ergue os olhos, sorrindo. Num gesto quase de dança, ele se volta na minha direção, inclina-se para o carro e diz, divertido, do lado de lá do vidro:


_ Hoje é meu dia de sorte.


Acompanho seus movimentos pelo retrovisor e o vejo se abaixar e pegar as duas pontas de cigarro do chão. Duas de uma vez! E acesas, ainda por cima! É. Sorte é mesmo uma coisa engraçada. Engraçada e relativa.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Muito muito tempo

_ Mamãe, como eu faço pra ver um dinossauro?
_ Hmmm... a gente pode ver num livro.
_ Não. Eu queria ver um DE VERDADE.
_ Bom, filho... a gente pode tentar ir a um museu. Se bem que no museu, você só vai conseguir ver esqueleto de dinossauro.
_ Mas eu queria ver um vivão, de verdade.
_ Não tem como, filho.
_ Por quê?
_ Porque os dinossauros foram extintos.
_ O que é extinto?
_ Acabaram. Não existem mais.
_ Por quê?
_ Ó, cada pessoa diz uma coisa, mas parece que há muito, muito tempo, caiu um meteoro imenso na Terra e...
_ O que é meteoro?
_ Uma pedra, filho. Uma pedra imensa caída do céu.
_ Credo!
_ É. Credo mesmo. Mas aí, com a queda do meteoro, abriu-se um buraco gigantesco no chão e o impacto levantou uma nuvem de poeira tão grande, que a luz do sol ficou sem conseguir chegar à Terra por muitos meses. Sem sol, as plantas morreram. Sem plantas, os bichos que comiam plantas morreram e depois os bichos que comiam os bichos que comiam plantas morreram também.
_ E os dinossauros também morreram?
_ Morreram, filho.
_ Todos eles?
_ Todos.
_ Não sobrou nenhum?
_ Nenhum.
_ Nem unzinho pequenininho?
_ Nem unzinho. Acabaram todos.
_ E isso faz quanto tempo?
_ Ah, filho, faz muito tempo.
_ Muito, muito?
_ Muito, muito.
_ Muito tempo mesmo?
_ Muito tempo mesmo.
_ Quando você nasceu ainda tinha algum?

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Wish

Eu quero um amor que não doa.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

O cúmulo do desejo

_ Mamãe, o que você trouxe pra mim da viagem?
_ Bem, filha, como foi só uma semana, eu trouxe só um presente. Essa camiseta aqui, ó.
_ Essa aí? Ah... tá.
_ Você não gostou?
_ É... gostei... não tem mais nada?
_ Na verdade, tem. Tem um Bem Casado que eu trouxe do casamento do seu primo.
_ Mamãe, um Bem Casado!!! Eu AMO Bem Casados. Obrigada, mamãe, muito obrigada.
_ De nada, filha.
_ Aliás, quer saber? Quando eu crescer, quero ser uma Viúva Negra.
_ Credo, filha! Você sabe o que é uma Viúva Negra?
_ Dãããns! Claro que sei. É uma aranha que mata o macho logo após o casamento.
_ E por que você quer ser uma Viúva Negra, pelamor?
_ Para poder casar muitas vezes e comer muuuitos Bem Casados.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Coincidência ou ironia?

Apenas uma moça ganhou flores no Dia dos Namorados:
a que namora com outra moça.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Os seus, os meus e os nossos ex

Meu ex-marido tem duas ex-mulheres e um punhado de ex-namoradas. Meu namorado também tem duas ex mulheres e várias ex-namoradas. Eu tenho um ex-marido, um namorado e alguns ex-namorados, muitos dos quais com ex-mulheres e todos, sem exceção, com ex-namoradas.

Com tanta gente envolvida, mesmo em uma cidade como São Paulo, onde uma pessoa é capaz de passar a vida inteira sem nunca rever um amigo de faculdade, parece inevitável encontrar a atual de um ex ou a ex de um atual.

Há quem goste, mas eu acho muito constrangedor.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Os Cuecas

Cuecas são os membros pertencentes à classe dos meninos que se interessam pelas nossas filhas e que, geralmente, estão infinitamente aquém do que imaginamos como minimamente adequado para elas. A escola costuma ser o primeiro reduto de “Cuecas” com o qual uma mãe tem que se confrontar.

Dia desses, fui a uma reunião na escola da minha filha e como cheguei um pouco adiantada, sentei em uma cadeira da recepção e fiquei observando os Cuecas que passavam. Ainda bem que Cuecas não lêem pensamentos, porque os meus eram os piores possíveis:

“Ei, menino, sua bermuda está caindo. Eu tô vendo sua cueca! Essa roupa é do seu irmão mais velho? E por que seu pai não te compra um cinto?”
“Você já ouviu falar em pente?”
“Isso no seu cabelo... sai?”
“Jura por Deus que você se olha no espelho antes de sair de casa e fala: tô bonito?”
“O que é esse rombo na sua orelha, pelamordedeus? E por que você enfiou a carretilha da máquina de costura da sua avó nele?”
“Sua mãe bem que podia comprar cadarços pra esses tênis, né?”

De repente, sem aviso, um deles passa por mim e cumprimenta:
_ E aê, tia?

Tia? Tia??!! E eu lá sou sua tia, Cueca? Eu nem tenho idade para ser sua tia! Eu não tenho sobrinhos do seu tamanho. Aliás, eu nem tenho sobrinhos, ainda mais assim, de gorro na cabeça, perna cabeluda e CUECA APARECENDO feito a sua! Deumelivreeguarde!

Em vez de responder, simplesmente ergui uma sobrancelha, com a simpatia típica da mãe de uma princesa que está sendo vilmente assediada por um Cueca.

À noite, em casa, perguntei:
_ Filha, por que eles são assim?
_ Ué, mamãe. Porque são.
_ Mas por que eles não são bonitinhos, perfumadinhos e penteadinhos?
_ Porque ia ser ridículo.
_ Mas o Felipe é bonitinho, perfumadinho e penteadinho e não é ridículo.
_ Mamãe, você não vê o Felipe desde a terceira série.
_ E...?
_ E ele mudou, mamãe. Mudou muito.
_ Mudou?
_ Ô.
_ Quer dizer que aquele menino bonitinho, perfumadinho e penteadinho...
_ Tá com o cabelo quase no meio das costas, usa piercing na sobrancelha e brinco de argola. Ah, e acho que não usa desodorante.
_ Pelamordedeus...

Uns dias depois, vi esse casalzinho na entrada da escola. Ele, uns 16. Ela, uns 14. Ele, recostado na mureta, cabelos úmidos precisando desesperadamente de um corte, pernas abertas, enlaçando a menina pela cintura. Ela, de cabelos compridos jogados para a frente e grandes brincos de argola, apoiada languidamente nele, ora consultando o estado do cabelo num espelho próximo, ora beijando o sapo, digo, o príncipe. Beijocas e mais beijocas; centenas delas. Lembrei na hora dos olhos horrorizados da minha mãe quando viu alguns dos meus namorados e da maldição: “Você me paga. Você vai ver!”. Tô pagando, mãe. Ô, se tô. Mas sua neta também me paga. Ela vai ver.