quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Os perigos do caminho


_ Mamãe, pra onde você vai?
_ Que pergunta, filho. Pro trabalho, ué! É pra onde eu vou todos os dias.
_ Olha, toma muito cuidado, viu?
_ É claro que tomo. Mas com o quê, especificamente?
_ Ora, com os vulcões e os buracos negros.
_ Mas não tem isso aqui, meu filho. Fica tranqüilo.
_ Mas você falou que o buraco negro suga tudo o que está em volta, lembra? E também contou daquele vulcão terrível que brotou do chão em uma semana. Já pensou se um rio de lava arrastar você, e você não voltar pra casa, e eu nunca mais te vir, e você morrer e...
_ Ok, filho. Eu tomo cuidado.
_ Tá. Me liga quando chegar?
_ Não.
_ Por que não???
_ Porque você vai estar na escola.
_ E como é que eu vou saber se você chegou bem?
_ Ah, filho, eu não chego todo dia?
_ Chega, mas antes eu não sabia que era tããão perigoso.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Anti-matéria


_ Mamãe, o que são átomos?

_ Meu filho, o que você anda assistindo? Talvez você devesse ver mais Discovery Kids, que tal?

_ Mas o que são átomos?

_ Ai, Xisus. Lá vamos nós. Átomos, pelo que eu me lembro, são a menor partícula da matéria.

_ A menor?

_ Quase. Porque os átomos são formamos por partículas ainda menores, mas isso não vem ao caso.

_ Hmmm... como assim, “matéria”?

_ Matéria é tudo, filho. Tudo o que tem massa.

_ Massa?

_ Tudo o que você consegue pegar é matéria.

_ Ahnnn... tudo?

_ Tudo o que você consegue pegar.

_ Até as plantas, os vulcões, os dinossauros?

_ Tudo isso.

_ Mas os dinossauros estão extintos!

_ Mas você pode pegar nos esqueletos deles. Então, eles são matéria.

_ Mas os fios de alta-tensão não são, né? Porque eu não posso pegar.

_ Eles também são matéria, filho. O problema é que você sabe que não deve pegar porque vai tomar um tremendo choque, né?

_ O Peru é matéria?

_ O país ou o bicho?

_ O país.

_ Um país não é matéria, filho. Um país é um território, uma convenção política, mas tudo o que tem no Peru é matéria: as lhamas, as Cordilheiras dos Andes, as ruínas incas...

_ A Lara Croft é matéria?

_ Hmmm... é.

_ E tudo isso é átomo?

_ Tudo isso é átomo, sim senhor.

_ Tudo, tudo?

_ Tudo, tudo.

_ Até um filhotinho de dinossauro bem pequenininho? Até aquela poeirinha que fica no cantinho da parede?

_ Até ela.

_ E o buraco negro?

_ O que é que tem o buraco negro, filho?

_ Ele também é matéria?

_ O buraco negro é anti-matéria, filho. Quer dizer, eu acho que é. Ou talvez tenha a ver com uma área de gravidade muito, muito alta, que atrai tudo para dentro dela. A verdade é que eu não lembro direito.

_ Jura?! E o que é anti-matéria?

_ Anti-matéria é o oposto da matéria.

_ Entendi! As coisas que eu não posso pegar, né? Os anjos, a fada do dente, o coelho da Páscoa...

_ Não, filho. Não é bem assim.

_ E como é então?


Ai, Xisus! Tem algum astrônomo lendo isso, para acudir uma mãe em agonia?

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A chegada da primavera

_ Mamãe? Quando começa a primavera?

_ Em cinco dias, filho.

_ E agora?

_ Agora faltam quatro.

_ E agora? E agora?

_ Amanhã, filho.

_ Amanhã? Segunda-feira?! A que horas?

_ Às 12h44.

_ O que eu vou estar fazendo essa hora?

_ Almoçando.

_ No começo, no meio ou no fim do meu almoço?

_ Hmmmm... no meio.

_ Então, vou almoçar em rápido pra primavera chegar antes.

_ Não vai adiantar.

_ Não?!

_ Não. Você pode nem almoçar, que a primavera vai chegar na mesma hora. Nem um minuto antes.

_ Ah, eu tô tãããão ansioso.

_ Por que, filho?

 _ Porque a primavera vai chegar, mamãe! Já pensou?

_ Filho, entenda bem: a chegada da primavera não é uma coisa que aconteça fisicamente. Assim, ó: não é que a primavera vá tocar a campainha e entrar, entendeu?

_ Dãããns, eu sei disso, né, mamãe? Só faltava... mas eu tô feliz mesmo assim.

_ Por quê?

_ Ué, porque a primavera é a estação das árvores, das flores, dos passarinhos; é a estação de dias lindos, azuis e ensolarados, é...

_ Filho, deixa eu te falar uma coisa: o tempo não vai mudar instantaneamente só porque a primavera chegou. Se a gente estiver no meio de uma frente fria, o tempo vai continuar feio, com ou sem primavera. O que acontece é que com o passar dos dias e das semanas, o tempo tenderá à melhora, entendeu?

_ Entendi, mas você é muito chata.

_ Eu não sou chata, meu filho. Só estou querendo evitar que você fique triste, achando que a primavera vai chegar e que tudo vai mudar, porque não é bem assim que acontece. Entendeu?

_ Entendi.

_ E então?

_ Chata. 

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

I see plastic people

De uns tempos pra cá, eu penso, penso e não consigo achar resposta. Por que, em nome de Deus, envelhecer virou vergonha? Por que as pessoas não podem mais ostentar rugas? Por que a gente liga a TV e só vê gente de plástico, todos com a cara igualmente improvável? De repente, marcas e sulcos passaram a ser ocultados como se fossem... argh! Contagiosos! O que?! Eeeu?! Ficar velha?!!! Deusmelivreeguarde!


Com isso, homens e mulheres estão todos com a mesma cara. Não. Não é com a mesma expressão, porque expressão é algo de que os “novos jovens” abdicam. É a mesma cara mesmo. A mesma testa-lisa-que-não-mexe-nem-por-decreto, as mesmas linhas engomadas, o mesmo nariz fino de canudinho e o mesmo bocão natural feito uma nova de trinta.


E não é que o Botox, o Restilane e o preenchimento labial viraram a nova peruca? Aquele acessório que quem usa acha que está discretíssimo, mas que a gente nota a uma quadra de distância.


Com a moda dos “novos jovens” tenho visto mulheres (e homens) lindas – e jovens –irreconhecíveis. Deve ser por isso que outro dia, vi um filme com a Julie Christie – a Lara, do Dr. Jivago – que me chamou atenção: a história é até boa, mas o que me prendeu foi alguma coisa no rosto de Julie, que deve ter seus 67 anos. Estranhamente bela, diferente, intensa... levou algum tempo até me dar conta do que era: as rugas! Julie Christie tem rugas! Rugas reais, marcando um rosto belíssimo e sinalizando a passagem de um tempo amigo, brando, digno.


Incrível como a coisa desandou de tal forma, que hoje a gente estranha o que é natural. Ao vê-la, decidi, sem arrogância nem presunção, que quando envelhecer, se Deus me ajudar e a vida me for amena, eu quero ser igual à Julie Christie. E tenho dito.


segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Xente xófen


_ Vixxx, tá acabando o prazo da campanha de vacinação. Preciso ir tomar logo a vacina contra rubéola.
_ Precisa não, Ana.
_ Como assim “precisa não”, pessoa? Claro que preciso.
_ Não precisa.
_ E por que não, hein?
_ Porque você já passou da idade.
_ Eu, O QUÊ?
_ É só até trinta e nove anos, Ana.
_ POIS EU TENHO TRINTA E NOVE ANOS, SER HUMANO! TRINTA E NOVE ANOS RECÉM COMPLETOS. E AGORA VOU TOMAR ESSA DROGA DE VACINA NEM QUE NÃO PRECISE PORQUE VIROU UMA QUESTÃO DE HONRA.
_ Nossa...
_ O que foi? O que foi, HEIN? “Nossa”, o quê?
_ Trinta e nove?
_ É. Por quê? POR QUÊ???
_ Porque eu tenho vinte. Você podia ser minha mãe.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O dente

Meu filho,

Pra você, não é nada. É só o primeiro de outros vários que vão cair. O primeiro passo para uma coisa que vai ser sua para sempre.

Para mim, meu filho, é um marco.

Mães têm isso. Mães são bichos que se emocionam a ponto de soluçar em festas da escolinha, mesmo depois de anos e anos. Mães são animais que olham para as crias e choram de amor. Não é lindo chorar de amor, meu filho? Acho que ninguém pode dizer que é verdadeiramente feliz, enquanto não tiver chorado de amor pelo menos uma vez na vida. Mães guardam cartas com rabiscos que nem elas entendem e desenhos com amebas peludas porque um dia, um filho disse que éramos nós, as mães, ali, no papel, e que aquela manchinha verde era o nosso vestido lindo e que o risco vermelho era o nosso batom. Mães são capazes de olhar a gente dormindo e de nos achar tão grandes e tão pequenos ao mesmo tempo, que choram tudo de novo, só de saudade pelo que foi e de orgulho pelo que está sendo.

Mães sonham, desejam e projetam tudo o que imaginam de melhor, mais bonito, mais macio, quentinho e cheiroso nesse mundo para os filhos. Mães também brigam. Principalmente com os outros. Principalmente com criaturas obtusas que não percebem que nossos filhos são as coisas mais espetaculares que Papai do Céu já teve o capricho de pôr no mundo.

Seu dentinho, filho, eu guardei (foi uma dureza arrancá-lo da Fada do Dente, mas ela há de saber que não há nada mais forte no mundo - nem vulcão, nem dinossauro - que uma mãe determinada). 

Guardei pra olhar pra ele e lembrar do quanto você já foi pequeno. Pra olhar pra você e ver o quanto você cresceu. 

Guardei porque eu estava lá quando esse dente que caiu na quarta-feira, apontou na sua gengiva. Eu estava lá, filho, quando pedi pro seu tio trazer do Free Shop aquele mordedor vibratório refrigerado, lembra? Que coisa louca era aquilo, filho! Você adorava e a gente morria de rir com suas caretas. Eu estava lá – e ainda estou – todas as manhãs e todas as noites, quando a gente escova os dentes. E faço você bochechar três vezes, sim, pra lavar toda a pasta. “Porque a pasta é o sabonete do dente.” E faço você abrir um bocão pra escovar atéééé lá no fundo. E te falo como é importante escovar a língua também. Você não gosta muito da parte da língua, mas um dia, daqui a alguns dentes, você há de me entender. No fim, você joga fora a água que sobrou no copinho, eu molho a mão e lavo seu rosto. Você sempre ri e sempre tenta lamber minha mão. E eu sempre escapo. Ou quase sempre.

Seu dente, filho, agora é meu. É uma parte sua que eu vou guardar pra sempre. Porque o resto de você, meu amor, por mais que eu queira pra mim, vai ganhar o mundo. Que mundo de sorte esse, não?

Te amo,

Mamãe

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Discretíssimo

Trim, trim, triiiiim! 

_ Alô?
_ Mamãe? É o Montanha. 
_ Oi, meu filho. 
_ Eu tenho uma notícia espetacular! 
_ É mesmo? Diga... 
_ É que o meu dente caiu! 
_ Caiu, filho?! Sensacional! Owwwnnn, que bonitinho. A mamãe está tão emocionada... 
_ Por quê?
_ Porque o seu dente caiu; porque você tá crescendo; porque ainda ontem, você era um bebezinho banguela e agora está banguela de novo; porque a vida é um eterno recomeço; porque... 
_ Mamãe, esse negócio de Fada do Dente é pra valer ou é que nem Papai Noel, que nunca traz o que eu quero? 
_ Veja bem, meu filho: a Fada do Dente é uma mulher ocupadíssima. Ela passa a noite inteira colocando coisas embaixo do travesseiro de crianças que perderam dentes no mundo todo. 
_ Então, ela tem os dias livres... 
_ Tem, nada. É sempre noite em algum ponto da Terra, lembra? A Fada do Dente passa 24 horas por noite trabalhando. 365 noites por ano. É uma jornada desumana... ainda bem que ela não é humana. 
_ Uau! 
_ É. Uau mesmo. É por isso que você precisa pedir uma coisa que a Fada consiga viabilizar com alguma facilidade. 
_ Ela voa? 
_ Voa. 
_ Ela é forte? 
_ Acho que é. 
_ Então, que tal um vulcão? 
_ Hmmmm... eu não acho muito seguro a gente ter um vulcão no quarto, não é? 
_ Tá bom. E um dinossauro? 
_ Filho, tem que ser uma coisa que caiba embaixo do seu travesseiro!!! 
_ Um filhotinho, então. Um ovinho de dinossauro. 
_ Dinossauros estão extintos, filho, lembra? 
_ Ah, é. 
... 
_ Posso pedir a Lara Croft? 
_ Não. Primeiro, porque ela não cabe embaixo do seu travesseiro. Depois, porque ela está muito ocupada em casa, cuidando dos seis filhos dela e do Brad Pitt.
_ Já sei! Eu quero ir pro Nepal. Uma passagem pro Nepal cabe embaixo do meu travesseiro! 
_ Não vai rolar. 
_ Por quê???
_ Porque uma passagem para o Nepal custa muito caro e se a Fada do Dente te der uma, ela vai ficar sem dinheiro pra comprar os presentes de milhões de outras crianças no mundo todo. 
_ Pó de pirlimpimpim, então? É pequeno, cabe embaixo do travesseiro e aí eu posso voar e ir pro Nepal, pro Peru, pra onde eu quiser... 
_ Ah, filho, também não dá. Pó de pirlimpimpim não existe de verdade. 
_ Que droga... então, qual é a vantagem de perder o dente? 
_ Perder o dente significa que você está crescendo, que está ficando grande e que vai ganhar um dente forte e bonito, novinho em folha, pra você cuidar para o resto da vida. 
_ Quando? 
_ Daqui a pouco. Logo, logo, vai começar a crescer um dente novo nesse buraquinho.
_ Logo, logo, quando? 
_ Ah, meu amor, sei lá. Em umas duas semanas... 
_ E ele cresce de uma vez? 
_ Não. Você não vê os seus amigos na escola? Ele cresce bem devagar, leva um mês ou mais... 
_ Ai, meus Deus! Quer dizer que amanhã eu vou ter que ir pra escola sem dente? 
_ Vai, ué. E não é legal? Todo mundo vai. É bacana... 
_ Então, já sei o que eu vou pedir pra Fada do Dente. 
_ O que, filho?
_ Uma dentadura, pra disfarçar.

Quem pode mais?

_ Mamãe, você não disse que os dinossauros foram os maiores e mais poderosos seres vivos da face da Terra?
_ Hmmmmm... disse.
_ E é verdade?

_ Claro que é, filho. Por que eu mentiria pra você?
_ Eles eram grandes mesmo?

_ Muito grandes. Imensos.

_ E muito poderosos?

_ Poderosíssimos, embora não fossem muito inteligentes.

_ Mais poderosos que os vulcões?

_ Filho, veja bem: não é justo comparar grandezas não equivalentes. Dinossauros são seres vivos e vulcões são fenômenos da natureza.

_ Por que não é justo?

_ Porque não dá pra comparar. Você consegue comparar uma bola com uma laranja?
_ Consigo, ué. As duas são redondas. Uma eu como, outra eu chuto.

_ Sei. E um abajur com um avião?

_ Fácil! Os dois começam com “A”.

_ Tá bom, filho. Você venceu. Os vulcões eram mais poderosos que os dinossauros. Pronto.

_ Então, você mentiu pra mim.

_ Não menti, não.

_ Mentiu.

_ Não menti.

_ Mentiu.

_ Por que você acha que eu menti, filho?

_ Porque os dinossauros não foram os seres vivos mais poderosos da face da Terra, ué! Os vulcões eram mais poderosos que os dinossauros.
_ Só que os vulcões não são seres vivos. Rá! Te peguei! Vou até pôr essa no blog!

_ Nem os dinossauros, ué! Você não falou que eles já tinham morrido há muito, muito, muito tempo?