Reza a lenda, que toda mãe que se preze, deve admirar incondicionalmente a beleza dos filhos, desde o momento do nascimento. Só que comigo não foi assim.
Antes que a coisa fique preta, devo salientar que, hoje, meus filhos são, efetivamente, lindos. Tão lindos quanto é possível, modéstia à parte.
O problema é que durante a gravidez, passei os nove meses (ou quase), idealizando a aparência deles. Imaginava bebês como a minha irmã havia sido: lindos, imensos, bochechas coradas, totalmente carecas e com olhos azuis da cor do céu. Só que é óbvio que cada bebê é de um jeito e minha filha, apesar da ascendência puramente caucasiana, nasceu com uma farta cabeleira preta e espetada, que mais parecia filha de japonês. Nasceu pequena, magrinha... e peluda! A parte dos pêlos foi a mais chocante. Tinha toda a área das costas, dos ombros até o bumbum recobertos por uma fina camada de pêlos escuros, que a pediatra jurou por Deus que cairiam em alguns meses. De fato. Como se isso não bastasse, a pobrezinha nasceu de parto normal e, consequentemente, toda amassada. Ah, e tinha umas manchas escuras na região da bacia que, diante do meu espanto, a mesma pediatra disse tratarem-se de "manchas mongóis".
_ Comassim??!! _ perguntei, perplexa.
_ Mongóis. Da Mongólia.
_ Mas como essas manchas foram parar aí?
_ Deve ser a ascendência.
_ Comassiiiiim???!!!
_ Você ou seu marido devem ter ascendência Mongol.
_ Não temos!!!
_ Ah, devem ter, sim. Só que vocês não sabem.
Virei para o pai dela, acusadora:
_ Você tem ascendência Mongol? Porque eu, não tenho!
_ Eu, não! _ afirmou ele, aturdido.
Virei-me para a pediatra e declarei:
_ Nós não temos ascendência Mongol!
_ Então... _ disse ela, dando de ombros. _ Eu não sei.
_ Isso sai? _ perguntei, temerosa.
_ Sai _ disse ela. _ Em alguns meses.
Bem, eu sei que sou a mãe sei quem é o pai. Seria possível que minha filhinha tivesse sido trocada na maternidade? Não. Certamente que não. Eu vi quando colocaram a pulseirinha e conferi quando ela veio para o quarto e antes de levá-la para casa.
Tem mais. Quando nasceu, ela quebrou a clavícula. Os médicos disseram que era uma ocorrência comum em partos normais e que podiam enfaixar ou não, porque o osso calcificaria da mesma forma. Perguntei as vantagens e me informaram que enfaixando (por apenas sete dias), era garantido que a calcificação fosse perfeita.
_ Enfaixem!_ disse eu, poderosa.
Quando um bebê quebra a clavícula no nascimento, a imobilização é feita apenas com gaze, prendendo o lado fraturado, com braço e tudo, junto ao peito. Resultado: um braço fica solto e o outro, preso.
Algumas horas depois, fui chamada ao berçário para vê-la. Quase enfartei. Minha filha, saci-pererê de braço, com uma manga do macacãozinho recheada e a outra solta, como se faltasse um braço ali. Eu olhava para ela e pensava: "Deus! Tem alguma coisa errada comigo. Eu TINHA que estar louca de paixão por ela! Tinha que estar achando essa pequena taturana a coisa mais linda do mundo. Mas, como???"
Sozinha, fui algumas vezes ao berçário. Via os outros bebês (alguns lindos, clones perfeitos do bebê dos meus sonhos) e pensava, morta de culpa: "Puxa! Bem que a minha podia ser assim!"
Quando fiquei grávida do meu filho, resolvi não idealizar a imagem dele. "Agora estou mais madura, já vivi a experiência uma vez e VOU amá-lo de qualquer jeito. Venha ele como vier." Grande engano. Ele nasceu de cesárea e eu logo pensei: "dessa vez não vai nascer amassado, será loirinho e, com alguma sorte, terá olhos como os da minha irmã." Só que o coitadinho era feio de doer. Tinha bem menos cabelos que minha filha, todos concentrados na coroa externa da cabeça, como um fradinho careca em miniatura. Também nasceu pequeno, magrinho e tinha um nariz grande como o do pai, ligeiramente adunco. Olhava para ele no quarto e pensava: "parece um velhinho banguela. Que coisinha mais feia da mamãe! Deus me perdoe"
Para corroborar a minha tese de que o bichinho de doer, recebi a visita de um grande amigo, que depois de dar uma espiadinha no berço, disse, franco:
_ Ana, eu adoraria dizer que ele é uma gracinha, mas não vou poder.
_ Tudo bem _ respondi. _ Eu também não acho. Mas ele vai melhorar, se Deus quiser.
Ah, hoje, os dois têm olhos escuros, como jabuticabas. E eu adoro jabuticabas!