Todo ano é a mesma coisa. Chega essa época e, para delírio das crianças e desespero dos pais, vêm as férias. Quando digo “desespero” é porque como as crianças costumam ter cerca de três meses de férias por ano, enquanto os pais só têm um – a menos que sejam juízes, promotores ou políticos – é virtualmente impossível acompanhá-los. E eles ficam sedentos por uma maratona de atividades divertidas. “Mamãe, vamos ao parque, e ao clube, e ao cinema, e ao Mc Donalds’? Aí, depois, a gente podia jogar um jogo, e ver um filme, e fazer guerra de pipoca. Aliás, vamos fazer brigadeiro? E bolo? Posso fazer um bolo sozinha? Posso? Posso?”
Hoje é dia 03. Só faltam 27. Em ocasiões assim e na ausência de parentes com filhos de idades próximas morando em cidades paradisíacas, só resta uma coisa a fazer: programa de férias do clube.
O programa de férias é uma idéia espetacular que garante aos pais uma semana inteira de filhos intensamente entretidos durante o dia e extremamente cansados à noite. Cansados a ponto de nem lhes passar pela cabeça sugerir um torneio na pista vertical do Hot Wheels entre os cento e oitenta e dois carrinhos da coleção quando você chega, esgotado, do trabalho. Mas não é só isso! Essa semana de férias garante também um pernoite, ou seja, um dia em que as crianças DORMEM no clube, acampando em barracas na pista de atletismo. Já deu para imaginar o que isso significa, né? Para você, adulto, significa a possibilidade de fazer coisas raras e proibidas com outros adultos, como jantar ou ir ao cinema, por exemplo.
Aos filhos, a semana de férias garante contato com outras crianças, um bando de adultos de energia aparentemente inesgotável inteiramente dedicados, brincadeiras sem fim, almoços sem lei e o bendito pernoite, com direito a walkie-talkies, lanternas, banho de gato e a um clube totalmente vazio, de noite, só para eles.
Hoje, pela manhã, levei meus filhos ao primeiro dia do programa de férias. Minha filha, veterana, já participou de uma dúzia desses programas e conhece todas as manhas. Apesar da ansiedade inicial para saber se encontraria as amigas, se conseguiria se ia ficar num grupo legal e, principalmente, se a calça legging da coleguinha ia ser mais curta ou mais comprida que a dela, só me fez uma recomendação:
_ Mamãe, pelamor, nem chega perto de mim com esse moleque, hein?
_ Que moleque, menina?
_ Ele!
_ Mas é o seu irmão, criatura! Não tá reconhecendo? Seu único irmão! É o primeiro ano dele. O primeiro programa de férias da VIDA dele! É natural que ele queira chegar perto de você em algum momento.
_ Mamãe, desinfeta. Se ele chegar perto de mim, eu vou fingir que nem conheço, hein?
_ Mas nem da hora do almoço, filha?
_ Principalmente na hora do almoço.
_ Tá bom. Vem, filho. Vem com a mamãe. Vamos ver em que grupo você está.
Ele estava animadíssimo. Acordou uma hora e meia antes do despertador tocar só para ter certeza de que não chegaria atrasado. Não chegou. Assim que ele entrou e viu aquelas duas centenas de crianças fazendo barulho, segurou a minha mão um pouco mais forte. “Tudo bem, filho. Vamos procurar sua turma.” A turma dele é a de iniciantes, naturalmente. Os menores do programa, os pequenos ou, na linguagem dos demais, os debilóides, bebezinhos babões. Desconfiado, ele apertou minha mão um pouco mais e virou o corpo de lado para segurar minha perna.
_ Mamãe...
_ Diga, filho.
_ Você vai ficar comigo, né?
_ Não, filho. Nenhuma mãe vai ficar.
_ Não?!
_ Não, meu amor. Mas vai ser o máximo, eu garanto.
Nesse momento, os monitores começaram a tocar os pais para fora pelo microfone.
_ Pais, xô! Vão embora! Vão pro cinema! Ninguém quer vocês aqui, né, pessoal?
_ Uuuuuuaaaaaaawwwww!!! _rugiram os mais velhos, em resposta.
Meu filho me puxou pela blusa e disse, baixinho:
_ Eu quero, mamãe.
_ Eu sei, meu amor, mas eu não posso. Senta aqui, ó. Senta perto desses bebezi... digo, desses outros meninos que também estão no seu grupo.
_ Tá _ concordou ele, sem muita convicção e sem soltar minha mão.
Dei um beijo na cabecinha cheirosa, garanti que ia ser o máximo e fui me afastando. Antes de chegar à porta, virei (toda mãe vira. Se disser que não vira, é caso de fazer exame de DNA para ver se é mãe mesmo). Ele estava ali, sentadinho no lugar em que eu havia colocado, pernas cruzadas, carteirinha vermelha na mão, olhos fixos e mim e queixo ligeiramente trêmulo. Joguei uns beijos e acenei. Corajoso, ele forçou um sorriso e retribuiu.
Saí dividida entre a vontade de voltar lá, dizer aos monitores que “xô, pais” coisa nenhuma e que eu ia ficar lá, com o MEU Montanha no colo até ele se sentir seguro para ficar sozinho e a certeza de que às vezes, na vida, a gente precisa sentir um pouquinho de medo em nome de um ganho muito maior, que é a autoconfiança.
Amanhã, tenho certeza, não vou precisar nem sair do carro. Bendito programa de férias.