quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Lost

_ Cadê a minha mãe?
_ Ela deve ter ido ali, buscar alguma coisa.
_ Então, eu tô perdido.
_ Não está, não.
_ Estou, sim.
_ Não está porque você está comigo e eu sou sua tia.
_ Eu tô perdido, sim, porque eu perdi minha mãe.
_ Se estivesse mesmo perdido, o que você faria?
_ Não sei.
_ Pensa bem. Você, um menino de cinco anos, perdido em um supermercado...
_ Acho que eu ia chorar.
_ Mas chorar não ia adiantar nada.
_ Não?
_ Não. Que tal ir até o caixa e pedir pra uma moça anunciar o seu nome no alto-falante e dizer que você está esperando sua mãe?
_ Nem morto!
_ Por quê?
_ Porque minha mãe disse pra eu não falar com estranhos eu nem conheço a moça do caixa.
_ Mas ela trabalha aqui. É funcionária do supermercado.
_ Mas eu não conheço ela.
_ E o que você faria então?
_ Hmmm... não pode chorar?
_ Não. Chorar, não vale.
_ Então eu já sei! Eu ia até a parte que tem coisa de vidro e derrubava tudo. Aí, ia fazer um barulhão, minha mãe ia vir ver o que estava acontecendo e me achava. Que tal?

_ Pensando bem, acho que é melhor você chorar.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Carta a um visitante

Meu querido,

Algumas coisas são inerentes a uma mulher. A vaidade, por exemplo. É claro que ela se manifesta diferentemente de pessoa para pessoa. Há vaidosas que botam tudo o que ganham na luta inglória de parar o tempo. Outras se conformam em comprar um creme, um lenço e em fazer uma abdominal ou outra, quando possível.

Mas a verdade é que mulher nenhuma, qualquer que seja a idade, gosta de ser surpreendida por uma visita. É claro que gostamos de visitas e é evidente que gostamos de surpresas, mas não associadas.

Quer fazer uma surpresa a uma mulher? Mande flores, mande bombons, mande biscoitos amanteigados, telefone em horas inesperadas, dê uma jóia sem motivo aparente, grave um CD, acenda velas para o jantar, prepare a comida, sirva o café na cama, programe uma viagem dos sonhos... seja terno, compreensivo e constante, mas, por favor, não apareça sem avisar.

Quer visitar uma mulher? Ah, que bom que você veio. Há quanto tempo, meu querido. Quanta saudade. O que você conta? Por que não vem mais vezes? Você está cada vez mais parecido com seu pai. Vá mesmo e apareça, nem que seja por meia hora, nem que seja por quinze minutos, nem que seja no último dia da viagem, mas tenha a bondade de avisar.

Porque uma mulher tem seus mistérios e rituais e se você é de fato alguém querido, é natural que ela queira impressioná-lo. Qualquer mulher do mundo precisa de pelo menos dez minutos para trazer à tona o melhor de si em forma de batom, de perfume, de uma escovadela nos cabelos, de um anel de pedra... É o nosso jeito de mostrar que você importa; que queremos estar bonitas e parecer cuidadas. Para você.

Mas ela estava de chinelo, você viu? E o batom estava meio borrado... Sim, meu querido. É verdade. Mas pode ter certeza que o chinelo era o mais novo do armário. E que quando você tiver oitenta anos, a simples presença do batom será infinitamente mais importante do que precisão com que ele foi aplicado. Porque uma mulher de oitenta anos merece ser olhada a uma certa distância. É um direito inalienável dela.

E apareça sempre, meu anjo, que sua presença enche os dias de luz. Mas não ligue só quando já estiver na portaria. E não deixe nunca de avisar.

Vovó

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Problema de entendimento

Eu tenho, sim. Com tampas de alumínio de potes de danone (e, sim, eu sou do tempo em que a Danone era líder de mercado e todos os iogurtes se chamavam "danone"). Enquanto não consigo remover o alumínio por completo, não tenho paz.

Ana, você não tem mais o que fazer, não? Ô, se tenho. Ana, você não sabe que a remoção parcial do alumínio não afeta em nada o sabor do danone? Sei, sim. Mas enquanto não tiro o maldito, não consigo fazer mais nada. Nem comer o danone.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Nome de peso

Estamos no comecinho dos anos setenta e sua mãe, dona Maria dos Santos, fica grávida. É o primeiro filho e ela tem mil planos para você. Fiel, acompanha todos os domingos o programa de um moço muito simpático, na TV. Seu pai, seu Antônio dos Santos, não gosta muito desse “negócio de artista”, mas dona Maria acaba conseguindo convencê-lo. Assim que você nasce, seu Antônio vai ao cartório e faz seu registro.

Não deve ser fácil se chamar Silvio Santos. Tem nomes piores, eu sei. Minha mãe, por exemplo, jura que conheceu, sim, um sujeito chamado Ciurinando. Êta cacófato dos infernos, mas imagina o que deve ser a vida de uma criança homônima do maior apresentador de programas de auditório do país.


Na escola, desde a mais tenra idade, era só você entrar pra alguém dizer: “Silvio Santos vem aí, lá, lá, rá, rá, rá, rá!”. Você olhava desanimado e pensava nos conselhos da sua avó: “liga não, meu filho. Se você ligar, é pior.”


Você cresceu arrumou namorada, entrou na faculdade e nem seus professores perdiam a chance de disparar um “alôôôôô, Siiiilvio!” quando você aparecia. Você começou a trabalhar, já estava beirando os trinta e nada da coisa mudar.


Vai passar. Vai passar. Só que não passou. Você casou e decidiu que seus filhos não teriam a mesma sorte. Quando nasceu o casal de gêmeos, você foi ao cartório e não teve dúvida: registrou-os como Lulu e Lucélia. E não se fala mais nisso.

Só um pedacinho, por favor.

Todo ano é a mesma coisa: a cidade faz aniversário, mas quem ganha o presente é você. E aí, amanhã, dia 19, começa a ser preparado o tradicional bolo do aniversário de São Paulo, para ser servido na constrangedora festa do Bexiga, dia 25.

O bolo, que esse ano terá 454 metros – mesmo número de anos que a cidade completa – será de laranja e baunilha. Para preparar a iguaria, serão necessários mais de 1500 quilos de farinha (o peso de um carro), quase 1300 potes de margarina, o equivalente ao peso de um homem adulto de fermento, 600 quilos de açúcar, mais de mil litros de leite e 13.202 ovos*.

Fiquei aqui pensando... quem será que calculou a proporção dos ovos? Por que treze mil, duzentos e DOIS? Será que esses dois ovos farão toda a diferença? E mais: imagina só a chance de alguém perder a conta:

_ Ó, Zé, agora eu me enrolei... foram 712 ou 713?
_ Eita! E eu sei?
_ Melhor começar de novo, né?
_ Dá tempo não, Zé. Arredonda pra 715 e continua daí.

Outra: imagina a chance de, em 13.202 ovos, haver um... bem, um “não bom”? E nem adianta tentar me convencer que os moços que preparam o bolo quebram cada ovo individualmente em um potinho à parte, para minimizar riscos.

Como apresentação é tudo na cozinha, o bolo-monstro será coberto por mais de mil quilos de marshmallow, outros mil litros de leite e 150 quilos de confeitos coloridos.

Tudo isso será montado em cavaletes para o deleite de uma turba de selvagens furiosos, que aparecerá dos mais variados cantos e orifícios com sacos de supermercado, baldes e bacias para devorar tudo em cerca de sete segundos. Segundo dados de anos anteriores, estima-se uma invasão de cerca de seis mil pessoas. Alguns nem se darão ao trabalho de levar recipientes; atacarão o bolo com as mãos mesmo ou simplesmente cairão de boca.

E à noite, tal qual as inevitáveis notícias do Ano Novo em Tóquio ou do primeiro bebê do ano, clássicos do jornalismo televisivo, veremos um repórter abatido e com cara de bunda por ter sido escalado para cobrir a “festa”, dizendo:

_ Esse ano, o tradicional bolo do Bixiga, em comemoração aos 454 anos da cidade, foi consumido em tempo recorde. Em menos de sete segundos, seis mil pessoas acabaram com o doce que levou mais de trocentas horas para ser feito. Vamos tentar falar com alguns participantes da festa...

(Aparece uma velha magrela com a boca e as mãos sujas de creme, carregando duas sacolas de supermercado repletas.)

_ Ah, é muito bom, né? Só assim pros pobre comer bolo...
_ A senhora comeu?
_ Ô _ responderá ela, limpando a boca com a manga do vestido.
_ E essas sacolas aí?
_ Vou levar pros neto que não pôde vir, né?
_ Mas nem todo mundo faz como a dona Alzira... _ retomará o repórter, com voz cansada.

Corte para cenas gravadas segundos antes, de um punhado de adolescentes selvagens, atirando bolo uns nos outros. Novo corte para cenas de uma dona-de-casa dando paneladas em um aposentado barrigudo, na disputa por um teco do troço. Corte final para uma criatura sem sexo definido, que se enfiou de cara no bolo e tenta abocanhar a maior porção possível.

_ É com você, Fátima _ conclui o repórter, aliviado.

Volta para a Fátima Bernardes que sorri, faz aquela cara de “ainda bem que eu sou carioca” e toca a vida porque, podreira desse calibre, numa sexta à noite, ninguém merece.

Quer conferir?
R. Rui Barbosa, entre Conselheiro Carrão e Praça D. Orione, no bairro do Bexiga, dia 25 de janeiro, às onze horas. Não se atrase.

*Fonte: Agência Estado

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Nunca é tarde para assistir outra coisa

Nesse fim de semana vi com minha filha um DVD que optei por não assistir no cinema.

O filme mostra uma Michelle Pfeiffer espetacular (pleonasmo, dirão vocês) que, aos cinqüenta anos, aparenta trinta e pesa quarenta quilos. Na história, ela é a mãe executiva de uma menina de doze ou treze anos, com todos os desafios que isso possa trazer. Desnecessário dizer que nos identificamos incrivelmente com as histórias e com os diálogos entabulados pelas duas.

O conflito central está no fato da protagonista arrumar um namorado de 29 anos (onze a menos que ela).

Apesar de ser uma comédia despretensiosa, é curioso observar como a sociedade ainda encara relações de mulheres mais velhas com homens mais novos – na história, uma criatura que interpreta a Mãe-Natureza passa o filme inteiro dizendo a personagem de Michelle, coisas como: “Não adianta, querida. Você está caindo. Ca-in-do. Mesmo que mantenha o peso de quando era cheerleader no colegial, seus órgãos internos estão apodrecendo. E, até onde eu sei, ainda não inventaram lifting de útero, nem Botox para o pulmão. A derrocada é inevitável e esse me-ni-no com quem você está saindo vai querer ter filhos um dia. Conforme-se.”

Engraçado também observar a condescendência social com homens mais velhos que arrumam mulheres (mulheres?) trinta ou até quarenta anos mais novas que eles. Aí, pode, né? Comedor ele, não? Pode, embora eu fique imaginando sobre o que diabos eles conversam. “Ora”, dirão vocês, “que ingenuidade sua pensar que eles conversam, Ana!” E eu lhes responderei: “ok, leitores, homens de sessenta ou setenta anos são perfeitamente capazes de encarar maratonas de sexo selvagem durante dias e dias ininterruptos, sem trocar uma palavra que seja com a sua companheira. Ahnrããm.”

Mas o pior não é isso. O pior é o nome do filme em português: Nunca é Tarde para Amar. Quantos anos mesmo eu disse que tinha a personagem principal? Quarenta. Qua-ren-ta, com corpo de vinte. Quarenta, com uma pele que nem minha filha de 12 tem. Quarenta com cabelos de fazer inveja a Gisele Bundchen. Agora, só cá entre nós: e se ela tivesse quarenta com corpo de quarenta, pele de quarenta e cabelos de quarenta? Nesse caso, seria “tarde” para amar? Rélôu?! TARDE PARA AMAR? Ah, se eu descubro o porco chauvinista que criou essa pérola de título... e os demais porcos na cadeia de aprovações que foram dando sucessivos óquêis até isso chegar a nós. Francamente... humpf!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

A Fuga – Parte III – O Fim Final

Antes de sairmos para passar o fim de semana fora, tranquei a casa e fiz um Sinal-da-Cruz mental para que Papai do Céu protegesse as coisas que me eram caras. Por “coisas que me eram caras”, entenda-se: meus sapatos, minhas echarpes, um móvel de familia e uns casacos.

Passei dois dias tensa, imaginando aquele roedor dos infernos solto pela casa, fazendo ninho nos tapetes, parindo dentro da TV, se enfurnado na gaveta de lingerie...

Depois de muita negociação, havíamos concordado em deixar água e uma porção de ração DENTRO da gaiola com a porta aberta. Se tivesse interesse em se alimentar, o animal que criasse juízo e fosse ao lugar certo. Pena que não conseguimos pensar num jeito de fazer a porta se fechar automaticamente, caso ele entrasse.

Voltamos no domingo à noite e minha filha foi correndo à gaiola.
_ Ah, mamãe, graças a Deus. Graças a Deus!
_ Ele voltou?
_ Não, mas tá vivo.
_ E como é que você sabe?
_ Porque a comida tá mexida, ó!

Olhei e juro que não notei diferença. Poderia ter sido o vento ou a vontade da minha filha de que o hamster estivesse vivo. Resolvi não dizer nada. Passaram-se dois, três, quatro dias e nada do bicho. Mas todas as manhãs, minha filha jurava que a comida estava “diferente”. E todas as noites, eu ia me deitar tensa, assombrada pela possibilidade de acordar com o animal me encarando.

_ Hmmm... filha, eu estava aqui pensando... hamster sobe em móveis?
_ Só se tiver escada, mamãe.
_ Quer dizer que não há a menor possibilidade dele subir na minha cama?
_ Acho que não. Bem... talvez pelo lençol...
_ Filha, pelamordedeus! Eu morro se esse troço subir na minha cama. Imagina eu dormindo e ele me fazendo cócegas no pé...
_ Mamãe, ele não vai fazer isso..
_ E por que não?
_ Primeiro, porque ele não é burro e depois porque já deve ter notado que você NÃO GOSTA dele.
...
_ Hmmmm... filha, será que ele não escapou por baixo da porta de entrada?
_ Ah, meu Deus! Será, mamãe? Nem me diga! Ah, coitadinho! Fugiu por baixo da porta. Já pensou se ele chegou à escada? Deve ter tomado um tombo danado, rolado vários degraus... deve estar agonizando, com fraturas múltiplas... buáááá!
_ Calma, filha. Foi só uma idéia.

_ O meu bebê, eu nunca mais vou vê-lo! Buááááá!
_ O seu o quê? Do que você está falando agora, menina?
_ Do meu filhinho, mamãe, o Chiribum.
_ Ah, não! Pópará! Pópará que eu não vou ser avó de rato nem morta!
_ Mamãe, eu já falei mil vezes. Ele não é um ra...
_ Nem de esquilo.

No dia seguinte, acordei e vi uma toalha enrolada, rente ao vão da porta.
_ Pra quê essa toalha, filha?
_ Porque se ele não fugiu, não foge mais.
_ E se ele fugiu?
_ Buáááááá!

Passou-se quase uma semana e, todos os dias, invariavelmente, ela acordava e ia olhar a gaiola. Confesso que em alguns momentos – poucos – cheguei a pensar em comprar um bicho novo. Meu maior medo era que o hamster tivesse passado desta para melhor e que em pouco tempo começássemos a sentir o cheiro... se aquilo já cheira mal em vida...

Na sexta-feira, acordamos com a babá gritando.
_ É o rato! É o ratinho da Nindinha!
_ Onde? Onde? _ quis saber minha filha, que nunca levantou tão rápido na vida.
_ Vivo ou morto? _ perguntei.
_ Acho que vivo. Ele ta lá na cômda, no quartin. Fui pegar uma brusa e ouvi um baruín. Aí, abri as gaveta e vi ele se mexendo.
_ E você pegou? Colocou ele na gaiola? _ perguntou minha filha, com o coração aos saltos.
_ Eu, não. Pega você!
_ Eu prefiro não ver isso. Vou voltar pro quarto. Filha, ponha uma luva, sim? Aliás, ponha duas ou três. E se ele te morder, me avisa que primeiro eu mordo ele de volta, depois vou te dar uma anti-rábica.

De volta ao cativeiro, Chiribum entrou numa espécie de surto psicótico e passou horas correndo feito um alucinado dentro da rodinha e tentando a qualquer custo roer as grades da gaiola. Felizmente, em vão.

De volta à cômoda, vimos o estrago. Como sabe que eu não gosto dele, é evidente que o bicho escolheu justamente minha gaveta de sacolas para fazer seu novo lar. Sim. Eu acumulo sacolas e não. Eu não quero falar sobre isso. Depois que ele saiu, tiramos o equivalente a uma bola de basquete de papel roído de dentro da gaveta. E não é que o danado roeu minhas sacolas preferidas? O quê? Irracional, eu?

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

A Fuga – Parte II

Recapitulando: eu, uma adoradora ferrenha de roedores, tinha acabado de saber que o hamster de estimação dos meus filhos, que estava passando as férias lá em casa (o hamster. Os filhos moram comigo), havia acabado de fugir.

_ Mas fugiu como, criatura?
_ Ah, mamãe, eu não sei. Eu tô tão nervosa que não tô nem conseguindo pensar! E não me dá bronca, tá? Eu já tô sofrendo o suficiente.
_ Mas, peraí. Como é que ele fugiu? Você soltou o maldito?
_ Ele não é maldito, mamãe! Pááára de implicar com ele. E, não. Eu não soltei. Eu coloquei um pouco da palha da gaiola no trailer, peguei ele direitinho de dentro da gaiola...
_ Eca!
_ ... e coloquei no trailer.
_ Você colocou ele no trailer?
_ Coloquei.
_ Tem certeza?
_ Tenho.
_ Então ele está no trailer, ora bolas!
_ Não está, mamãe! Eu já olhei.
_ Já experimentou afastar a palha?
_ Já.
_ Já chacoalhou o trailer para os dois lados?
_ Já.
_ Já tentou espetar a palha com um garfo pra ver se ele grita?
_ Mamãe!!!
_ Tá bom, tá bom. Escuta... e a palha velha?
_ Tava cheia de uns mosquitinhos... acho que eram piolhos. Aí, eu joguei fora num saco de supermercado e dei um nó bem apertado, como você mandou.
_ Piolhos???!!! Que nojo, filha. Pelamordedeus! Será que piolho de hamster passa pra gente?
_ Ah, mamãe. Sei lá! Imagina se eu vou me preocupar com isso agora.
_ Pois devia. Escuta: será que você não jogou o bicho fora junto com a palha velha?
_ Será? Buáááááá!
_ Calma, filha. Vai lá no lixo, pega o saco com a palha velha, apalpa e vê se você não sente uma coisa se contorcendo lá dentro.
...
_ Não tava, mamãe.
_ Tem certeza? Mas você apalpou direito? Apalpou com força?
_ Mamãe, pára! Você quer que ele morra?
_ Well...

...
_ Mamãe, a gente vai ficar fora dois dias e ele vai morrer, perdido pela casa. Só tem um jeito de evitar que isso aconteça.
_ Sei. E qual seria esse jeito?.
_ Deixar um pouquinho da comidinha dele em cada cômodo da casa.
_ O quê??? Você tá louca? É mais fácil uma boiada inteira voar do que eu deixar você espalhar um “pouquinho de comidinha em cada cômodo da casa”.
_ Mas ele vai ficar com fome!
_ Não vai, não, filha. Ele vai comer nossos sofás, nossos sapatos, nossos casacos de cashemere... Ah, bicho dos infernos! Vou ter que sacudir cada sapato que eu for calçar daqui pra frente.
_ Pára de ser cruel, mamãe! Imagina só, o coitadinho, perdido, sozinho, com frio...
_ Ei, rélôu! Primeiro: coitada sou eu, que não vou dormir em paz sabendo que há um roedor à solta pela casa. Segundo: perdido e sozinho porque quer. Quem mandou fugir da droga do trailer? Terceiro: está fazendo trinta graus lá fora, caramba! Agora, vamos embora que a gente já perdeu tempo demais atrás desse troço.
_ Mas mamãe...
_ A-GO-RA!

(continua)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Noir

Eu não sei usar sombra. Também não sei beber cerveja, nem whisky, mas essas duas últimas me incomodam muito pouco. O fato é que de uns tempos pra cá, tenho sentido vontade de me maquiar com sombra. Deve ser a idade avançada...

Aí, ganhei um livro di-vi-no sobre maquiagem, conversei com um maquiador amigo (por que qual é a mulher que não tem um maquiador amigo, não é mesmo? Nem que seja amigo de infância, daqueles que treinavam em você em vez de treinar nas bonecas e hoje ganham por mês dez vezes o que você ganha por ano e são presença obrigatória em todos os desfiles e editoriais de moda badalados.), comprei umas cores aqui, ganhei umas cores acolá e decidi: vou aprender a usar sombra.

Ainda não tive tempo – nem dinheiro – para investir num curso bom de auto-maquiagem, mas quem sabe fazer, garante que qualquer débil mental com um mínimo de habilidade, consegue. Vamos ver. Outra boa notícia foi que lendo o livro di-vi-no, descobri que se seguisse direitinho o passo-a-passo, seria capaz de obter resultados iguaizinhos aos das revistas. Ótimo, pensei. Hoje vou querer ficar com a cara da Kate Moss na campanha da H. Stern.

A primeira recomendação do livro é muito clara: nunca treine sua maquiagem no dia em que você tem aquela festa importantíssima, sua louca! Treine em casa, em dias de ócio, preferencialmente quando você não tiver a menor chance de sair. Aí, se não der certo, o prejuízo é menor.

Animada, abri meu estojo de pincéis só para desanimar instantaneamente. Pra quê tanto pincel, meu Deus? Pincel para espalhar a sombra, pincel para esfumar a sombra, pincel para aplicar a sombra homogeneamente, pincel para a pálpebra inferior, esponja para sombra...

Seguindo o livro e a legenda de utilização dos pincéis, resolvi começar ousando. Já que é pra aprender, quero aquele olho preto, pretão, de heroína de filme noir.

“Antes de começar a se maquiar, ‘prepare’ o olho.” O que será que ele quer dizer com isso, pelamor? Meu olho é isso aí, colega. Não tem o que preparar, não. “Aplique a sombra preta, começando pelo canto interno da pálpebra móvel do olho.” Eu não sei vocês, mas a menos que eu seja mutante, minhas duas pálpebras se movem.

Por segurança, resolvi “treinar” em um olho só. Até para comparar os resultados, sabe? Pois bem, corretivo, sombra, mais sombra, cotonete, pincel, mais pincel, lápis, cotonete de novo, delineador, muito cotonete, pincel e, finalmente, rímel, muito rímel.

Como vida de mãe é aquela tranqüilidade sem fim, é evidente que fui chamada duas ou três vezes durante o processo, uma delas para mudar o canal da TV, cujo controle remoto estava a um metro e meio da mão da criatura.

Pouco antes da conclusão, meu filho deu o ultimato:
_ Eu tô com fomeeeee! E com sonoooooo! Cadê minha pizzaaaaa?

Nove e vinte da noite. Melhor alimentar logo o infante, depois colocar o pijama, dar o leite, levar pra fazer pipi, escovar os dentes, contar história, rezar e pôr na cama. Daqui a uma hora ou uma hora e meia eu volto e termino a maquiagem.

Quando me viu, ele arregalou os olhos:

_ Mamãe!!! O que aconteceu com seu olho?
_ Eu? Meu olho? Nada, filho.
_ Vo... você... seu olh... buááááááá!
_ Mas filho, eu...
_ Buááááá! Coitadinha da mamãe!
_ Mas eu...
_ Tá horrível, mamãe. Você tá parecendo um monstro! Tá doendo? Buááááááá!

Dei meia volta e corri pro banheiro pra tirar tudo. Outro dia, eu treino. Ou não. Talvez, melhor não.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

A Fuga – Parte I

Não que isso seja assunto para o primeiro post do ano, mas os meus filhos viviam pedindo um “bichinho de estimação” e por mais que eu argumentasse que peixe era um bicho perfeitamente válido, eles contra argumentavam dizendo que era muito pouco interativo. Queriam um cachorro, uma iguana, uma cacatua... Resolvemos o impasse assim: vocês podem ter até uma girafa ou uma zebra, desde que seja na casa do papai.

Hoje, eles têm um hamster e por mais que tentem me convencer de que aquilo é parente dos esquilos, ninguém me tira da cabeça de que trata-se de um rato. Eu sei que pessoas boas costumam ter amor por todas as criaturinhas de Deus, mas não é meu caso (o amor pelas criaturinhas, não a bondade).

Só que no fim do ano o pai deles foi viajar e... adivinha só?

_ Mamãe, mamãe, o Chiribum pode ficar na nossa casa?
_ Chiri-quem?
_ O Chiribum, mamãe, nosso hamster.
_ Ah, não! Pelamor! Vocês sabem que eu ODEIO ratos!
_ Mas, mamãe, ele não é rato. Ele é um es...
_ E por que ele não pode ficar na casa do papai?
_ Porque ele vai viajar.
_ Por quantos dias?
_ Dez.
_ E se vocês deixarem BASTANTE comida na gaiola do bicho?
_ Ele morre, né, mamãe? O coitadinho vai morrer de sede.
_ E se a gente deixar uma Coca Light grande pra ele?
_ Ah, mamãe, por favor...
_ Tá bom, tá bom, mas ele vai ficar na área de serviço, ok? E é mais fácil um boi voar do que eu deixar vocês colocarem o troço dentro daquela bola plástica pra ele ficar rolando pela casa.

O fato é que o bicho ficou lá em casa por dez longos dias. E, não. Eu não me apeguei a ele. E, não. Não achei bonitinho, nem fofinho, nem engraçadinho. Nem por um minuto. É. Eu não tenho coração. Finalmente, chegou o dia da partida.

_ Como é que esse troço vai pra casa do seu pai, minha filha? Porque é mais fácil outro boi voar do que eu colocar essa gaiola cheia de palha no meu carro, que vai sujar tudo, e derramar e...
_ Pô, mamãe! Não chama ele de troço! E não se preocupe. O papai fez um trailer pra ele.
_ Um “o quê”?
_ Um trailer, mamãe. Um veículo especial para transporte. Ele usou duas caixas de sorvete ligadas uma à outra por um copo de requeijão. E tem até teto solar, ó. Ele cortou um pedaço da tampa e prendeu uma capa de CD. E do outro lado tem umas aberturinhas pra ele respirar.
_ Ok. Então pega o tro... o seu animalzinho enquanto eu vou descendo com o seu irmão pra garagem.

Dez minutos depois...

_ Filha, o que diabos aconteceu? A gente está criado raízes aqui! Cadê você com o bicho?
_ Buááááá!
_ Filha, o que foi?
_ Buááááááááááá!
_ O que aconteceu, minha filha? O troço te mordeu? Porque se mordeu, eu vou aí, pego ele e...
_ Nãããão, mamãe. E PÁRA de chamar ele de “troço”. Ele fugiu, entendeu? Fu-giu!
_ O que????????? Pra dentro da nossa casa ou pra fora?
_ Pra dentro.

Pausa para estado de choque.

(continua)