quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Me ame quando eu menos mereço,
que é quando eu mais preciso.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Pé de valsa

As pessoas aprendem a dançar pelos mais variados motivos, dos mais aos menos nobres. Os meus foram muitíssimo pouco nobres, mas isso não vem ao caso. O fato é que lá pelos dezesseis anos fui matriculada numa escola de dança de salão.

A dança sempre fez parte da minha vida. Comecei com o ballet clássico, como toda mocinha elegante, até que um belo dia, lá pelos nove anos, a professora resolveu me pôr na real:

_ Olha, eu não sei se é a sua intenção, mas você é grande e pesada demais para ser uma bailarina.
(_ E você é grossa demais para ser uma professora!)

Saí. De lá, depois de passagens curtas pelo ballet moderno e pelo jazz, desisti. Até a dança de salão aparecer na minha vida. As aulas eram à noite, na mesma escola que eu freqüentava, pela manhã. A professora era dona Nice Poças Leitão, que ensinou a bailar centenas de paulistanos bem nascidos, a partir da década de 1950. Dona Nice, uma senhora já algo avançada na casa do setenta, era dona de um Fusca verde-azeitona, único dono, de um vigor invejável e de uma determinação férrea. Entrei lá com a promessa de que ela era capaz de ensinar a dançar até uma geladeira, modelo grande.

As aulas eram uma ou duas vezes por semana, dependendo do nível do aluno. Assim que chegávamos, a Madame ia tratando de acomodar todos, moças de um lado do salão, rapazes do outro. No bolso dos rapazes, necessariamente, um lenço de tecido, cobrado incansavelmente em todas as aulas.

_ Onde é que você pretende enxugar o suor, homem? Na saia da moça? _ perguntava a Madame, entre divertida e severa.
_ Mas Madame... não serve lenço de papel? _ perguntava a vítima, suando ainda mais.
_ Qual o quê, homem! Isso rasga, desmancha... é um horror! Já pensou, você, com o rosto cheio de fiapos de papel no meio do salão?! Tsk, tsk, tsk! E se a dama precisar de um lenço? Você vai dar esse? De papel?!

Cruzar as pernas, nem pensar.
_ Moças educadas não cruzam as pernas _ dizia a Madame. _ No máximo, cruzem os tornozelos para trás e deixem as mãos repousando sobre o colo.

Sapatos, para ambos os sexos, apenas com sola de couro. Aparecer de tênis em uma aula da Madame era o mesmo que pedir para passar a noite de castigo, sentado.

As unhas também eram revisadas quase todas as aulas. Não precisavam estar feitas, mas tinham que estar limpas e cortadas. Unhas roídas ganhavam um severo ar de reprovação.

E, com tantas regras, sobrava tempo para dançar? E como! Saíamos de lá, invariavelmente, um ou dois quilos mais leves, tamanha era a intensidade do exercício.

As turmas eram divididas em três, cada qual com o seu dia na semana. Os principiantes – ou “abacaxis”, como a Madame costumava chamar carinhosamente – iam na segunda-feira. Os intermediários, iam na terça e os “profissionais”, na quarta. A parte boa era que, conforme os alunos iam evoluindo, eram convidados a mudar de dia e a continuar freqüentando os dias dos iniciantes (e intermediários) para ajudar os alunos mais novos. Assim, lá pelas tantas, podíamos dançar três vezes por semana. E um pouco mais além, turmas formadas – com grupos, casais e panelinhas – dançávamos os três dias de aula e mais nas quintas-feiras, numa extinta casa de dança e aos sábados, geralmente numa gafieira.

Nas aulas, tudo muito certinho. A um sinal da Madame, cada “cavalheiro” devia partir do seu lado do salão e tirar uma “dama” para dançar. Tudo comme il fault, com direito a cortesia, mão estendida e tudo. Um show. Para uma menina de dezesseis anos, era o que de mais próximo havia de uma lady, prestes a dançar um minueto em um castelo renascentista.

No salão com mão de direção, os ritmos se sucediam deliciosamente. Fox, samba, valsa (a lenta e a vienense), rumba, rock’n’roll, polca, tango, bolero, gafieira, hully-gully, cha-cha-cha... um a um os passos de cada ritmo iam sendo desvendados diante dos nossos olhos e pés, progressivamente mais hábeis e firmemente guiados pela Madame.

Nas primeiras aulas, era comum a vontade de desistir, confrontados cruamente com a certeza de que havíamos nascido com dois pés esquerdos. Mas depois alguns meses, éramos tão bons que fechávamos pistas, dançávamos de graça nos lugares que freqüentávamos, ajudávamos a treinar debutantes de clubes e éramos muitas vezes abordados por estranhos, perguntando como, onde e porquê.

Bons tempos... Tempos leves. Pisando em nuvens e pensando em nada. Dançando, apenas.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Enganchada

Aí, você tem 12 anos e sua escola resolve fazer uma “saída pedagógica” de três dias pelo interior de São Paulo. Originalmente, você ia para Brasília, mas com o caos aéreo e com essa quantidade de aviões caindo mais do que jabuticaba do pé, todos viram por bem fazer uma viagem mais pé no chão, de ônibus mesmo. A idéia é visitar lugares relacionados às matérias que você está tendo e, com isso, enriquecer o tal “conteúdo programático”.

Seus pais conversam, combinam, parcelam e patrocinam a sua viagem. Afinal, você é tão boa aluna que merece. Na esteira da viagem, você ganha iPod, roupa nova, caderno novo e um tratamento de beleza completo, para arrasar com a turma.

Você vai, volta e, na chegada, tem “uma coisa” pra contar.

_ O que foi, filha?
_ Er... nada. Quando você chegar, eu te falo.
_ Mas foi algum problema, você se machucou, quebrou algum osso?
_ Er... não. É melhor a gente conversar pessoalmente.
_ Foi pior que isso?! Quebrou o iPod?
_ Não, mamãe...

A mãe chega em casa e fica sabendo: você, que é das melhores alunas da classe, que sempre tira notas ótimas, que é famosa por sua responsabilidade, foi suspensa. SUSPENSA por um dia de aula, por indisciplina.

Sua mãe, perplexa, tenta entender o que aconteceu. Você explica que a professora que acompanhou o grupo é louca, que a coordenadora é histérica, e que você simplesmente foi ao quarto de duas amigas com a sua colega de quarto, na hora de dormir. Aos poucos, a verdade vem à tona: você e sua amiga ficaram desaparecidas por uma hora e meia, em um hotel onde havia outros hóspedes, depois da hora de dormir. Por segurança, deixaram a TV ligada no quarto para parecer que estavam lá. Por segurança, quando a professora descobriu a ausência de vocês e bateu no quarto das amigas, elas disseram que “vocês não estavam lá de jeito nenhum”. Por segurança, quando a professora entrou no quarto das amigas, uma hora depois, para fazer uma busca, vocês se esconderam no banheiro. Por segurança, quando vocês finalmente foram encontradas, já de volta ao quarto, juraram que tinham se ausentado por “um minutinho só, para buscar água”.

Pois bem. Por segurança, a professora distribuiu duas advertências e duas suspensões muito bem merecidas, uma das quais para você.

Em casa, apesar de achar que “ficar sem ir à aula não é castigo”, você tem que ouvir um monte da sua mãe. E do seu pai. E perder o direito de falar ao telefone até terça-feira. E ao celular. E que acordar cedo na segunda, exatamente como se tivesse aula. E que passar a manhã toda fazendo lição. E estudando tabuada. Sem televisão. E quando você acha que já passou vergonha demais, que já pagou mico demais e que já se arrependeu demais, você descobre que o pior ainda está por vir: sua mãe tem um blog.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Presente

_ Meu filho, você já sabe o que quer no dia das crianças?
_ Já, sim, mamãe.
_ E o que é?
_ Eu quero um adulto.
_ Um adulto?
_ É. Pra brincar comigo.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Projeto para hoje

Primeiro isso,

Com isso.

Na seqüência isso,

E depois isso.

Ah, e se quiser, pode trazer isso.


Sim. É só. Obrigada.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Silêncio

Era um casal assim, como tantos outros. Tinham seus momentos. Às vezes, eram até felizes. Mas a vida massacra, a rotina massacra e eles próprios, um ao outro se massacram.

Não sabiam bem o porquê, mas mergulhavam cada vez mais naquele caldo perverso em que não bastava sofrer; era preciso causar dor.

À mesa, tinham o cuidado de não se sentar frente a frente para não terem que se olhar. Interrupções eram bem vindas. Qualquer coisa que justificasse uma fuga breve.

Para distrair, brincavam com copos, talheres e até com a comida, empurrando os volumes de lá para cá.

Entre si, apenas o essencial:

_ Quer mais sal?
_ Quero.
_ Vou buscar.

_ Faltou o molho.
_ Eu não quero molho.
_ Mas eu quero.

Entre os silêncios cada vez mais densos, trocavam farpas que ficavam enganchadas, arranhando a garganta como espinhas de peixe.

Na intimidade dos próprios pensamentos, às vezes lembravam dos bons tempos em que os assuntos não tinham fim, as histórias se encadeavam e as descobertas se sucediam, carregadas de encantamento. Mas só às vezes. Na maior parte do tempo, se contentavam em pensar no dia passado, no dia seguinte e na próxima garfada – na comida ou no outro – pura e simplesmente.

Sentados ali, eram dois corpos curvados, pesados, de rostos vincados e olhos opacos.

No fundo, continuavam sendo o que haviam sido desde o começo: um casal assim, como tantos outros.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Percalços

Lembra quando você esquecia da vida e dizia na escola que jurava por Deus, pelo seu pai e pelo seu irmão, que o seu cachorro tinha comido a sua lição de casa (às vezes, você não tinha irmão e nem cachorro)?

Se ninguém acreditava já naquela época, imagine nos dias de hoje, você, na flor dos seus cinco anos de idade, chegando para a professora do Jardim II na seguinte situação:

_ Menino, cadê sua lição?
_ Hmmmm... eu não trouxe.
_ Por quê, posso saber?
_ Porque eu tive um problema.
_ Sei. Que tipo de problema?
_ O meu peixe comeu.

Detalhe: a gente também não tem peixe.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Permanências - da série, "altíssima relevância"

Há uma coisa que anda me preocupando, mas antes uma perguntinha: alguém aí se lembra de uma fase de moda mais medonha que os anos oitenta? Tá bom, os anos setenta também não foram fáceis, mas pelo menos eram coloridos e as pessoas não precisavam usar peças com formato de ameba mutante.

Os anos oitenta foram a época das calças clochard e semibag, que deixavam qualquer sílfide com silhueta de bujão de gás, dos suspensórios, das ombreiras – tinha até sutiã com ombreira (!!!) – das saias balonê, das cinturas altíssimas, das blusas tipo saco, dos brincos do tamanho de um CD e de outras aberrações do gênero. Era pavoroso, mas a gente usava e ainda achava que estava abafando.

Como tudo na moda vai e volta, mesmo o que merecia ser esquecido para sempre, estamos vivendo agora um revival maldito dos anos oitenta. Engordou dois quilos, vinte, cinqüenta? Não tem problema! Basta jogar uma blusa tipo saco no corpanzil e pronto. Ninguém vai notar, já que todas as peças são feitas no tamanho único, padrão lona de circo.

Há uma moda típica dos anos oitenta que ainda não voltou: os cabelos com permanente. Eu, como locomotiva fashion que gostava de achar que era, usei por aaaaaanos a fio, na tentativa vã de ficar igualzinha a Gal Costa, só que loira. É claro que não deu certo, mas eu fazia a coisa de seis em seis meses, religiosamente, “penteava” a carapinha com algo parecido com um garfo gigante e não secava com secador nem que fosse passar as férias na Islândia. Era um horror. Depois do terceiro permanente, o cabelo ficou com aquela aparência de miojo mal cozido, esturricado de tão seco e com o volume equivalente ao de uma vassoura de piaçava muito usada. Pavoroso, mas tudo o que é ruim pode piorar. Siiiiiiiiiimmm, torcida brasileira, porque pra ficar bonita mesmo, eu fazia permanente na cabeça toda MENOS na franja. Porque a franja tinha que ter aquele ar de Farrah Fawcett no ventilador. É evidente que com todo aquele volume atrás, era impossível a pobre franja ficar no lugar. Precisamente por isso, eu lavava a coitada – da franja – todos os dias, pela manhã, na pia, com shampoo e condicionador & secava com secador (a franja podia, porque não tinha permanente). E lá ia eu, me sentindo a mais cabeluda das cabeludas, a mãe do Rei Leão, a mais volumosa das ovelhas da parada.

Um dia, avisei em casa que ia fazer um novo tipo de permanente: “com leite”. Meu pai morreu de rir, dizendo que nunca tinha sabido que leite enrolasse cabelo. Ué?! Qual é o problema?! Hoje em dia não tem “escova de chocolate”? “Depilação com mel”? Fui lá, o maldito cabeleireiro enrolou meu cabelo em três mil rolinhos e fez aquela fórmula demoníaca com três pingos de leite e mais as doses normais de creolina e soda cáustica necessárias para garantir o efeito “permanente” da obra. Para piorar, não podia lavar a cabeça por três dias. O efeito foi tão espantoso, que acho que foi o meu último permanente. Ainda bem que me sobraram uns poucos fios – os heróis da resistência – que me acompanham fielmente até hoje. Ainda bem que a moda não voltou.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Subwoofer

Fico aqui, pensando... o que será que acontece com os cachorros quando eles saem de moda? Alguém dirá: ora, os criadores param de cruzá-los, naturalmente. Sei... Só que pensa só no risco do collie, do pastor alemão ou do husky siberiano voltarem à moda? Os últimos, coitados, foram a Lassie que a Elizabeth Taylor levava para passear quanto tinha 14 anos (a Lizzie, não a Lassie) e o Rin-tin-tin, que arrastava o Cabo Rusty quando ainda nem existia TV a cores. TEM QUE HAVER uns bichos em idade reprodutiva para dar início a uma nova onda de filhotes, não é? Se não, o que faremos? Importaremos embriões congelados de poodles toy de algum banco de criogenia canina?

O fato é que eu sei, você sabe e todo mundo sabe que o cachorro da moda é o Labrador. Aquele, grandão, mais ou menos peludo, com cara de boa gente, mas outro dia, eu fiquei mesmo com vontade de ter um doberman. Aquele pretão, grandão, com cara de bravo, que – dizem as más línguas – foi uma raça desenvolvida pelos alemães na época da Segunda Guerra Mundial.

Pois bem. Estava eu em uma reunião sobre aparelhos de som e home theaters (não, isso não é assunto de meninos. Aposto um iPod pink, como eu entendo mais de aparelhos de som e home theaters que muito marmanjo barbudo por aí! Ah, e se quiserem discutir carros com tração 4x4, eu também topo.), quando o gerente de produto começou a falar em “subwoofer”.

_ Ah, porque esse equipamento tem subwoofer... porque o subwoofer reforça os graves e... ah, esse aqui tem um sobwoofer com woofer de 25 cm e Massive Bass System...

E eu ali, interessadíssima naquele conteúdo eletrizante, comecei a pensar no nome “subuúfer”, “subuúfer”. “subuúfer com uúfer”... gostosa, essa palavra. Me divirto pensando nos meninos que programam o filtro de buscas de um site. Uma das missões deles é garantir que as pessoas encontrem o que estão procurando, mesmo quando digitam a palavra errada, ou seja, eles devem fazer um filtro à prova de analfabetos (ou quase). E lá vai o cabra, procurar um subuúfer para incrementar o som da sua Brasília 77, caramelo. Ele junta uma grana e entra no site, cheio de amor pra dar. Só que não tem a menor noção de como se escreve o nome do troço. E lá vai ele: subuúfer, çubiúfi, subiuúfi, ssubiúfi...

Mas a melhor função para o nome é mesmo a que eu pensei primeiro. Subwoofer é o nome perfeito para um doberman, daqueles bem pretos, bem com cara de maus.

_ Subwoofer, junto!
_ Subwoofer, rola!
_ Subwoofer, dá a patinha! Finge de morto!

Não ia ser legal? A dúvida é: será que eu ainda consigo arrumar um doberman hoje em dia?

É... Essas reuniões de produto são mesmo muito produtivas.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O incrível é que às vezes funciona

Imagine você, cidadão norte-americano com mais de sessenta entradas no Brasil nos últimos quarenta anos. Imagine que por essas e outras, lá pelo ano de 1975, você ganha direito a um visto permanente. Esse visto, dentre outras coisas, assegura sua entrada e saída do país quando você bem entender. Pois bem. Lá por 2007, digamos que no começo de setembro, você compra uma passagem em um vôo diurno partindo de Miami para uma vinda rápida de quatro dias e embarca.

Chegando aqui, uma autoridade da imigração diz que como você não aparece há mais de dois anos, vai ter que reter seu passaporte & seu visto permanente e que você será deportado no próximo avião.

Detalhe: não; você não é um traficante. Nem uma garota de programa. Nem um estelionatário. Você é um pacato cidadão de meia idade, que deseja apenas resolver algumas pendências e chispar de volta para o primeiro mundo.

Paciente, você suspira, argumenta, espera a autoridade chamar o supervisor, espera o supervisor jantar, espera mais, explica que não pode ser deportado e, uma hora e meia e um ou dois Benjamins Franklins depois, finalmente consegue ser “liberado”.

_ Meu mala, porrr favorrr?
_ É aquela ali, senhor, rodando sozinha na esteira.

Você pega a Samsonite preta e finalmente deixa o aeroporto.

Uma hora depois, finalmente em casa e louco por um banho, você estranha o fecho. Depois, estranha a etiqueta laranja de “bagagem pesada”. Então, estranha a falta da etiqueta de “bagagem prioritária” e, finalmente, estranha o nome no tag de identificação. “Otto Koening”. Não é você. Definitivamente. Você pode não se lembrar de muita coisa, mas do seu nome, ainda lembra.

São onze e meia da noite e você sabe como são essas coisas. Sabe como é o Brasil. Sabe que está no meio de um feriado. Sabe que suas chances de reaver a própria bagagem são muito, muito próximas do zero e que na melhor das hipóteses, sua mala será entregue daqui a um mês ou dois em Miami, arrombada e com metade do conteúdo faltando. Você já passou por algo parecido em Roma e até hoje não sabe onde seus pertences foram parar. De repente, esse Otto Koening usa o mesmo número que você... mas você é um homem e princípios e resolve ao menos tentar, já pensando onde vai comprar uma escova de dentes, uma lâmina de barbear e uma ou duas cuecas para usar nos próximos dias...

Desanimado, acessa o site da companhia aérea na Internet e fica surpreso quando encontra um telefone para ligar. Disca os números na certeza de que não será atendido. Mas é. Do outro lado, um funcionário chamado André ouve atentamente sua história, diz que vai informar o sr. Koening que a mala dele foi encontrada e que ligará novamente, assim que as malas que restaram dos vôos a partir das 20h30 subirem para o setor de bagagens perdidas. Você duvida que ele ligue e pensa em dizer que manterá a mala do Sr. Koening como “refém” até encontrar a sua. Mas ele liga. Não uma, mas duas vezes. Liga às onze e quarenta – DEZ minutos depois da sua ligação – para dizer que o sr. Koening já foi informado e que ficou muito aliviado. Depois, liga novamente à meia-noite para dizer que a sua mala foi localizada e que o setor de bagagens extraviadas da companhia aérea funciona 24 horas por dia. Assim, se você quiser ir lá imediatamente, será um prazer entregar a sua mala e receber a do sr. Koening.

_ Mas eu vai terr que fazer o alfândega de novo?
_ Não, sr. Sua mala já está liberada.
_ Mas eu só vai conseguirr chegarr aí daqui a uma hora.
_ Perfeitamente, sr. O serviço funciona 24 horas.
_ E você vai estar aí?
_ Sim, sr. Pode me procurar. Meu nome é André.

Você chega ao aeroporto à uma e meia da manhã, vai ao setor de bagagens extraviadas, entra na salinha e vê não um, mas cinco funcionários ativos e dispostos, trabalhando febrilmente para que outros passageiros tenham um desfecho tão feliz quanto o seu.

Você se apresenta e, controla o desejo de dar um beijo no André. O processo de troca das malas não leva mais de um minuto e meio. Você dá a mala do sr. Koening, pega a sua, assina um termo simples isentando a companhia aérea de responsabilidades futuras e está livre. Antes de sair, abre a mala e confere o conteúdo. Está tudo lá, exatamente do jeito que você colocou, cerca de 12 horas antes, lá no primeiro mundo. Agradecido, oferece um Ulysses F. Grant ao funcionário. Ele recusa educadamente e diz que não há necessidade de pagar.

Você sai do aeroporto leve, aliviado e ligeiramente incrédulo com a eficiência da coisa toda. O primeiro mundo, mesmo que raramente, é aqui.

Ah, a companhia aérea é essa. Precisando, não hesite em procurar pelo André.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Organização & Método

Deve ser contagioso. Só pode ser alguma espécie de epidemia. O fato é que em minhas andanças virtuais recentes, tenho deparado com vários amigos autores de blogs preocupadíssimos com a possibilidade de terem TOC.

O TOC, para quem não sabe, é a sigla para Transtorno Obsessivo-Compulsivo, uma doença mental crônica que aprisiona o paciente a padrões de pensamentos e comportamentos repetitivos. Para aliviar esses pensamentos, a criatura recorre a compulsões como lavar as mãos inúmeras vezes, contar coisas aparentemente sem sentido, como somar números de placas de carros, somar letras das palavras ou arrumar objetos sem parar, buscando simetria.

Apesar de parecer engraçado a ponto de já ter sido explorado algumas vezes no cinema, como aqui e aqui, o TOC provoca muito sofrimento – em quem tem e em quem convive – porque, ao contrário do que a gente pensa, o paciente de TOC tem total consciência de que suas atitudes são esquisitas. Assim, ele sabe em cada uma das oitocentas e doze vezes em que lava as mãos todos os dias, ou que nas dezessete vezes em que bate na moldura da porta antes de sair de casa, que está fazendo uma coisa fora do normal, mas simplesmente não consegue evitar.

Felizmente, há remédios que, associados à psicoterapia, ajudam muito a aliviar os sintomas do TOC, coisa com a qual eu não me preocupo em absoluto, já que sou uma pessoa totalmente sem manias, que simplesmente gosta de certas coisas organizadas de determinada forma.

Nos restaurantes, por exemplo, se o prato tiver logotipo, eu preciso que ele – o logotipo – fique posicionado exatamente ao meio-dia (considerando que o prato é um relógio; não tem nada a ver com o horário da refeição, naturalmente. Até porque, eu não sou doida!). Não é cacoete, é só que se o logotipo não ficar lá em ciminha, direitinho, eu perco a concentração e não consigo comer direito. Tanto, que se o prato for trazido por um garçom desatento, antes mesmo de começar, eu coloco o meu prato na posição “certa”. Ah, tem a ordem da comida também. Eu como com muito mais prazer se a refeição tiver sido colocada “direito”, com a carne (ou peixe, ou frango) às oito horas, o acompanhamento (arroz, batatas ou massa) às onze e os legumes às quatro. Faz todo sentido do mundo porque aí, eu posso comer em sentido horário, a partir da carne. Vocês, que querem pegar no meu pé, que eu sei, provavelmente dirão: “Pô, Ana, mas se os legumes estão às quatro horas e você quer comer no sentido horário, devia começar por eles, que vêm antes da carne, às oito, certo?” Ao que eu, educadamente, responderei: “O prato é meu, a ordem é minha e eu como como quiser!” Como sou uma pessoa razoável e flexível, se se tratar de um prato de massa ou de risoto, sem carne e sem acompanhamentos, a disposição não importa. Desde, é claro que o logotipo esteja ao meio-dia em ponto.

E já que estamos falando em comida e em horários, tenho isso com relógios também. Sempre que estou no carro, com o rádio ligado e o locutor informa as horas, eu confiro no relógio do painel e no meu relógio de pulso. Se o celular estiver à mão, confiro nele também. E se algum deles estiver diferente, por um minuto que seja, eu trato de sincronizar rapidinho. Senão, sabe-se lá, né? Alguma coisa terrível pode acontecer.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

O dia

Recebi hoje, por e-mail:

Sabe o dia em que temos uma bela festa e queremos estar lindos, descansados e felizes?

Sabe o dia de experimentar a roupa que enfim a gente comprou?

Sabe o dia de estrear um carro novo?

Sabe o dia de oferecer um jantar em casa a muitos amigos queridos?

Sabe o dia da expectativa da primeira saída?

Sabe o dia de ganhar um presente muito imaginado e esperado?

Sabe o dia de sair para uma viagem muito especial?

Sabe o dia de chegar dessa mesma viagem, morto de saudade de quem a gente gosta?

Sabe o dia do aniversário, cheio de expectativas?

Pois é, dia de dormir com você, é assim.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Ressaca

_ Eu não queeeeeero ir pra escola.
_ Mas tem que ir.
_ Mas eu não queeeeeeeeeeeero!
_ Tá bom. Eu já ouvi. Agora, pega sua mochila e vamos.
_ Nããããããããão.

_ Filho, vamos que o elevador chegou.
_ Mas eu ODEIO a escola.
_ Odeia nada. Vamos lá.
_ Eu odeio, sim. Odeio, odeio, odeio.
_ Tá bom.
_ Posso não ir?
_ Não.
_ Buáááááá! Se você me obrigar a ir hoje, amanhã eu vou enfiar um saco de papel na cabeça.
_ E por que você vai fazer isso, filho?
_ Pra ninguém me ver.
_ Mas você não vai enxergar nada. Como é que você vai andar?
_ Eu faço uns furinhos no lugar dos olhos.
_ E você acha mesmo, do fundo do seu coração, que ninguém vai reparar num menino de 5 anos andando pelo pátio da escola com um saco de papel enfiado na cabeça?
_ Vai?
_ Claro que vai, filho. Todo mundo vai achar a coisa mais esquisita.
_ Esquisita?
_ Claro!

_ E se eu desenhar uma carinha no saco?