quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Silêncio

Era um casal assim, como tantos outros. Tinham seus momentos. Às vezes, eram até felizes. Mas a vida massacra, a rotina massacra e eles próprios, um ao outro se massacram.

Não sabiam bem o porquê, mas mergulhavam cada vez mais naquele caldo perverso em que não bastava sofrer; era preciso causar dor.

À mesa, tinham o cuidado de não se sentar frente a frente para não terem que se olhar. Interrupções eram bem vindas. Qualquer coisa que justificasse uma fuga breve.

Para distrair, brincavam com copos, talheres e até com a comida, empurrando os volumes de lá para cá.

Entre si, apenas o essencial:

_ Quer mais sal?
_ Quero.
_ Vou buscar.

_ Faltou o molho.
_ Eu não quero molho.
_ Mas eu quero.

Entre os silêncios cada vez mais densos, trocavam farpas que ficavam enganchadas, arranhando a garganta como espinhas de peixe.

Na intimidade dos próprios pensamentos, às vezes lembravam dos bons tempos em que os assuntos não tinham fim, as histórias se encadeavam e as descobertas se sucediam, carregadas de encantamento. Mas só às vezes. Na maior parte do tempo, se contentavam em pensar no dia passado, no dia seguinte e na próxima garfada – na comida ou no outro – pura e simplesmente.

Sentados ali, eram dois corpos curvados, pesados, de rostos vincados e olhos opacos.

No fundo, continuavam sendo o que haviam sido desde o começo: um casal assim, como tantos outros.

12 comentários:

Anônimo disse...

Ana, tem que rezar muito pra Stº.Antônio pra não acabar assim. Quero Não!!!! Beijos!! Tá cada dia melhor, em?!!!

Anônimo disse...

Quero crer que, tal qual como eu já, recentemente, senti isso na pele, trata-se de uma fase passageira. O final feliz é que o casal voltará a se descobrir e resgatará aquela felicidade adolescente do início antes do início.

E viverão felizes para sempre...

Rodolfo Barreto disse...

O pior é saber que
a gente sempre repete.

Anônimo disse...

Os dois precisam perceber e querer mudar...

Robinson disse...

uiaa..

Cláudia disse...

Pior que viver brigando é viver na indiferença. É uma fase posterior à das brigas, e que penso ser muito mais dificil de se esboçar uma reação.
beijo

MH disse...

santo comodismo... às vezes a idéia de sair de um relacionamento desses nem passa pela cabeça do casal!

Ana Téjo disse...

Claudia,
Mais que rezar, acho que tem que cultivar, querida. Cultivar bem.

Adauto,
É preciso se redescobrir todos os dias.
Amém.

Ana Téjo disse...

Rodis e Cassio,
Ou não.

Robinson,
?

Ana Téjo disse...

Clau,
O silêncio é o pior castigo.

MH,
É a inércia.

Olavo disse...

O dia a dia, o lufa lufa, a correria, a era da velocidade...essa é a nossa maior dadiva e a nossa maior perdição. Vivemos numa era em que tudo rapidamente evolui, rapidamente acontece, repidamente fica obsoleto, "velho", desatualizado...vivemos numa era, em que a paixão e o amor, passam tão depressa que nem temos tempo de memorizar o seu doce sabor...romantismo e romanticos? Ainda os há, mas poucos. Relacções verdadeiras e com reais sentimentos? Cada vez menos...infelizmente...
Gostei de conhecer o teu cantinho.

Ana Téjo disse...

Olavo,
Concordo com você, mas lutarei até o fim das minhas forças para manter o tal frio na barriga.
Obrigada pela visita. Você é bem vindo.