segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Carta a um visitante

Meu querido,

Algumas coisas são inerentes a uma mulher. A vaidade, por exemplo. É claro que ela se manifesta diferentemente de pessoa para pessoa. Há vaidosas que botam tudo o que ganham na luta inglória de parar o tempo. Outras se conformam em comprar um creme, um lenço e em fazer uma abdominal ou outra, quando possível.

Mas a verdade é que mulher nenhuma, qualquer que seja a idade, gosta de ser surpreendida por uma visita. É claro que gostamos de visitas e é evidente que gostamos de surpresas, mas não associadas.

Quer fazer uma surpresa a uma mulher? Mande flores, mande bombons, mande biscoitos amanteigados, telefone em horas inesperadas, dê uma jóia sem motivo aparente, grave um CD, acenda velas para o jantar, prepare a comida, sirva o café na cama, programe uma viagem dos sonhos... seja terno, compreensivo e constante, mas, por favor, não apareça sem avisar.

Quer visitar uma mulher? Ah, que bom que você veio. Há quanto tempo, meu querido. Quanta saudade. O que você conta? Por que não vem mais vezes? Você está cada vez mais parecido com seu pai. Vá mesmo e apareça, nem que seja por meia hora, nem que seja por quinze minutos, nem que seja no último dia da viagem, mas tenha a bondade de avisar.

Porque uma mulher tem seus mistérios e rituais e se você é de fato alguém querido, é natural que ela queira impressioná-lo. Qualquer mulher do mundo precisa de pelo menos dez minutos para trazer à tona o melhor de si em forma de batom, de perfume, de uma escovadela nos cabelos, de um anel de pedra... É o nosso jeito de mostrar que você importa; que queremos estar bonitas e parecer cuidadas. Para você.

Mas ela estava de chinelo, você viu? E o batom estava meio borrado... Sim, meu querido. É verdade. Mas pode ter certeza que o chinelo era o mais novo do armário. E que quando você tiver oitenta anos, a simples presença do batom será infinitamente mais importante do que precisão com que ele foi aplicado. Porque uma mulher de oitenta anos merece ser olhada a uma certa distância. É um direito inalienável dela.

E apareça sempre, meu anjo, que sua presença enche os dias de luz. Mas não ligue só quando já estiver na portaria. E não deixe nunca de avisar.

Vovó

9 comentários:

amanda. disse...

que lindo.
e concordo plenamente.

avise nem que seja cinco minutos antes, pra dar tempo de arrumar o cabelo e ajeitar as almofadas do sofá.

sempre digo isso.
:)

Cláudia disse...

Fofo e verdadeiro
beijo

Rubi disse...

Que bonito Ana. O seu blogue e um balsamo :) Abraco

Anônimo disse...

Querida Vovó,
Ainda que menino, e por vezes sem a percepção necessária, saiba que eu também, antes ir vê-la outro dia, escolhi uma roupa que lhe enchesse os olhos, pus um perfume que não ferisse seu nariz, já no elevador dei uma ajeitada no cabelo , sem esquecer de olhar se a camisa estava para dentro da calça e se o sapato estava limpo. Ah, sabendo que iria registrar o encontro, antecipadamente reduzi a intensidade do flash, para não ferir seus olhos.

Sentei estrategicamente de frente, para não cansar seu pescoço;
Olhei sempre diretamente, para podermos exercitar uma troca ainda mais intensa;
Falei pausadamente, para não perdermos uma só palavra da rica interação;

Você merece ver somente o que de melhor possa se materializar.
Você merece escutar somente o que de melhor se possa ouvir.
Você merece tocar somente o que lhe trouxer sentido.
Você merece sentir somente o que de melhor toque seu coração.

Sua vaidade - me envaidece.
Sua beleza - sempre me chama atenção.
Sua discrição - me impressiona.
Sua atenção - me enche o coração.
Seu amor - me faz viver, ainda mais feliz.

Obrigado, por seu uma Avó tão presente em minha vida. Dizem que ser Avô é ser Pai, duplamente. Espero poder passar os seus tataranetos um pouquinho de mim, com a mesma intensidade de sabedoria, amor e dedicação que sempre tive da senhora.

Assinado: seu filho, duas vezes.

Ana Téjo disse...

Amanda,
Uma mulher precisa de um tempinho. Em qualquer idade.

Clau,
Tks, querida.

Ana Téjo disse...

Rubina,
Obrigada.
Bálsamo é ler comentários como o seu.

Ana Téjo disse...

Neto,
Acho que ela sabe de tudo isso.
E mais: acho que gosta de saber.

Anônimo disse...

Ana, perdão – não sou “neto” –
e sim “filho duas vezes”
um (jeito de) ser, bem mais especial...

Luci disse...

perfeito!
bj!