sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Só um pedacinho, por favor.

Todo ano é a mesma coisa: a cidade faz aniversário, mas quem ganha o presente é você. E aí, amanhã, dia 19, começa a ser preparado o tradicional bolo do aniversário de São Paulo, para ser servido na constrangedora festa do Bexiga, dia 25.

O bolo, que esse ano terá 454 metros – mesmo número de anos que a cidade completa – será de laranja e baunilha. Para preparar a iguaria, serão necessários mais de 1500 quilos de farinha (o peso de um carro), quase 1300 potes de margarina, o equivalente ao peso de um homem adulto de fermento, 600 quilos de açúcar, mais de mil litros de leite e 13.202 ovos*.

Fiquei aqui pensando... quem será que calculou a proporção dos ovos? Por que treze mil, duzentos e DOIS? Será que esses dois ovos farão toda a diferença? E mais: imagina só a chance de alguém perder a conta:

_ Ó, Zé, agora eu me enrolei... foram 712 ou 713?
_ Eita! E eu sei?
_ Melhor começar de novo, né?
_ Dá tempo não, Zé. Arredonda pra 715 e continua daí.

Outra: imagina a chance de, em 13.202 ovos, haver um... bem, um “não bom”? E nem adianta tentar me convencer que os moços que preparam o bolo quebram cada ovo individualmente em um potinho à parte, para minimizar riscos.

Como apresentação é tudo na cozinha, o bolo-monstro será coberto por mais de mil quilos de marshmallow, outros mil litros de leite e 150 quilos de confeitos coloridos.

Tudo isso será montado em cavaletes para o deleite de uma turba de selvagens furiosos, que aparecerá dos mais variados cantos e orifícios com sacos de supermercado, baldes e bacias para devorar tudo em cerca de sete segundos. Segundo dados de anos anteriores, estima-se uma invasão de cerca de seis mil pessoas. Alguns nem se darão ao trabalho de levar recipientes; atacarão o bolo com as mãos mesmo ou simplesmente cairão de boca.

E à noite, tal qual as inevitáveis notícias do Ano Novo em Tóquio ou do primeiro bebê do ano, clássicos do jornalismo televisivo, veremos um repórter abatido e com cara de bunda por ter sido escalado para cobrir a “festa”, dizendo:

_ Esse ano, o tradicional bolo do Bixiga, em comemoração aos 454 anos da cidade, foi consumido em tempo recorde. Em menos de sete segundos, seis mil pessoas acabaram com o doce que levou mais de trocentas horas para ser feito. Vamos tentar falar com alguns participantes da festa...

(Aparece uma velha magrela com a boca e as mãos sujas de creme, carregando duas sacolas de supermercado repletas.)

_ Ah, é muito bom, né? Só assim pros pobre comer bolo...
_ A senhora comeu?
_ Ô _ responderá ela, limpando a boca com a manga do vestido.
_ E essas sacolas aí?
_ Vou levar pros neto que não pôde vir, né?
_ Mas nem todo mundo faz como a dona Alzira... _ retomará o repórter, com voz cansada.

Corte para cenas gravadas segundos antes, de um punhado de adolescentes selvagens, atirando bolo uns nos outros. Novo corte para cenas de uma dona-de-casa dando paneladas em um aposentado barrigudo, na disputa por um teco do troço. Corte final para uma criatura sem sexo definido, que se enfiou de cara no bolo e tenta abocanhar a maior porção possível.

_ É com você, Fátima _ conclui o repórter, aliviado.

Volta para a Fátima Bernardes que sorri, faz aquela cara de “ainda bem que eu sou carioca” e toca a vida porque, podreira desse calibre, numa sexta à noite, ninguém merece.

Quer conferir?
R. Rui Barbosa, entre Conselheiro Carrão e Praça D. Orione, no bairro do Bexiga, dia 25 de janeiro, às onze horas. Não se atrase.

*Fonte: Agência Estado

5 comentários:

Rodolfo Barreto disse...

Toda nação terráquea que se preze tem sua comemoração bizarra. Pelo menos os pobres não estão fugindo de touro na rua ou fazendo guerra de tomate.

Fica pra gente o velho e louco ditado
"não tem pão? come bolo".

Ps.: ainda bem que eu sou carioca.

Cláudia disse...

hj, no sptv, passaram as imagens do ataque ao bolo do ano passado. Show de horror.
beijo

Bola Preta disse...

estou pensando em ir e dar um mosh no meio do bolo.. o q vc acha?

Ana Téjo disse...

Rodis,
Fazem guerra de bolo. Argh!

Clau,
Nem me fale.
Parece que todo ano o povo quer "se superar".

Ana Téjo disse...

Dani,
Acho ótimo. Só não se atrase, sob o risco de acabar dando um mosh na mesa e se machucar.
Ah, e se passar você dando mosh na TV, eu nunca te vi, combinado?