Aí, aos dezesseis anos, eu ganhei o direito de usar lentes de contato e minha vida mudou. Exatamente como naqueles comerciais péssimos da Bausch & Lomb, passei a ver o mundo cheio de detalhes que, de repente, tinham ido parar lá, vindos sabe-se Deus de onde.
Só que usar lentes é uma arte que exige alguma técnica. Chorar, por exemplo. Quem usa lente nunca mais chora do mesmo jeito, fazendo, buááá, buááá, sob o risco de perder algumas centenas de reais em um lenço de papel. Coçar o olho é outra coisa que requer prática & habilidade da tribo dos míopes disfarçados. Há um jeito todo especial de coçar para impedir que a lente se precipite. Mulheres aprendem rápido que não podem tirar as sobrancelhas usando lente (o que torna impossível fazer o serviço sem ajuda de terceiros) e que o rímel à prova d’água é a melhor invenção da cosmética, desde os tempos do leite de cabra de Cleópatra.
Eu, iniciante que era, ainda não sabia de nada disso, o que garantiu uma série de surpresas, nem sempre boas. Como no dia em que fiz minha mãe me levar à clínica, berrando dentro do carro, porque a lente – na época, gelatinosa – tinha dobrado e ido parar na pálpebra superior. Só que, para meu desespero, a danada não tinha ficado ali, quietinha, dobrada ao meio. Virou uma espécie de trouxa de contato, quase impossível de ver e muito menos de tirar do olho. E eu, urrando de pânico, com medo da lente romper as fronteiras do globo ocular e ir parar no cérebro. Teria idéias visionárias, certamente. Mas não era tão otimista naquela época.
Pior ainda foi no dia em que, já fora de casa e iniciada nas “delícias” do café da manhã britânico, perdi uma lente em um prato de sucrilhos com leite. É claro que o primeiro impulso, felizmente contido, foi o de mergulhar na tigela para resgatá-la.
Parêntese: nessa época, eu comia apenas sucrilhos. Com o tempo e a convivência, passei a consumir cereais bem menos apetitosos, daqueles parecem já ter sido mastigados & digeridos previamente, antes de chegarem ao prato. Fecha parêntese.
O fato é que lá estava eu, atrasada para a faculdade, com uma tigela semi cheia de sucilhos e uma missão quase impossível. Dei o alerta.
_ Socoooorrrro! Minha lente caiu nos sucrilhos!
_ Ohmigod! E agora?
_ Agora, eu preciso da lente de qualquer jeito. Não tenho a menor condição de ir caolha para a faculdade.
_ Vai de óculos, ué!
Fulminei o autor da frase com o olho que ainda enxergava. Francamente! Qualquer pessoa com mais de dezessete anos sabe que é mais fácil fazer um boi voar, do que convencer uma adolescente a ir para a faculdade de óculos.
_ Não vou nem morta. Tenho que achar a lente e já!
De repente, a providência divina fez com que surgisse uma peneira na minha frente.
_ Côa os sucrilhos, Ana. Você tira o leite e fica mais fácil achar a lente.
Fui com a tigela e a peneira para a pia e esvaziei o líquido. Nem sinal.
_ E agora?
_ Agora, você vai pegando os sucrilhos um por um e vendo se a lente não está grudada nele. Se não estiver, você joga o sucrilho fora.
_ Mas e se eu não vir a lente grudada e jogar o sucrilho fora? Eu ainda nem acabei de pagar essa lente...
_ Olha direito, né, Ana?
_ Como?
Alguém faz idéia de quantos sucrilhos cabem em uma tigela com leite? Pois eu digo: setenta e seis, depois de duas colheradas. Fiquei mais de meia hora ali, quase chorando, míope feito um morcego, examinando sucrilho por sucrilho até encontrar o maldito pedacinho de silicone. E alguém acha que consegui ir para a faculdade de lente? Nãããão! A lente estava tão engordurada e açucarada, que mesmo depois de duas ou três lavagens e enxaguadas, tive que deixar a danada fervendo para poder voltar a usar.
E antes que perguntem, não. Eu não fui de óculos. Fui com uma lente só, sentei bem na frente e pedi delicadamente aos professores que, excepcionalmente naquele dia, escrevessem com letra beeem grande.
12 comentários:
Nossa, mas que tipo de lente é essa que você usa? Com a minha dá pra chorar adoidado! E usar qualquer maquiagem. Até natação eu faço com a lente (usando óculos de natação, claro). Mas coçar o olho não é recomendável mesmo, não.
Bom, estou livre delas. A melhor coisa que fiz na vida foi operar minha miopia. Meu problema era sentar perto de fumante. Ou seja: um problema quase constante. Uma beleza ficar com o olhor ardendo, vermelho e congestionado por causa de cigarro. Pra cigarro eu rosnava mesmo. E ainda rosno.
É isso aí, Ana!
Teria feito a mesmíssima coisa que vc. Ir à faculdade de óculos, seria o mesmo que atestar sua falta de auto-estima.
Eu, por exemplo, deixei de usar óculos ao entrar na puc. E nunca mais usei. E operação também nem adiantava no meu caso...
Pior: só fui colocá-los, e olhe lá, ano passado, com o advento da maturidade dos 30...
Durante este tempo? Ah, até que vivi muito bem sem óculos, viu! Beijos,
(maturidade dos 30 foi uma ironia, viu, apenas para avisar; caso vc suspeite em acreditar)
Não sei se de lá pra cá você chegou a fazer a dita cirurgia, mas vamos lá:
Case One: A Dona Patroa, já há alguns anos, fez a dita cirurgia. Segundo ela, a melhor coisa do mundo é poder acordar e enxergar tudo claramente, sem ter que ficar tateando atrás de óculos.
Case Two: Tenho um amigo que tem "aproximadamente" o mesmo grau que a ex-eposa e o irmão. Como fazem? Compram em conjunto um conjunto (ARGH!) de três pares de lentes e dividem entre si. O detalhe é que ele usa a lente o tempo todo. Não tira nem pra dormir. Por MESES a fio...
Em terra de Kellogs,
quem tem uma lente é Nerd.
Nana,
A que eu uso é do tipo que não dá ra fazer nada disso, mas que dá pra enxergar o que, no meu caso, já é um graaande ganho.
Gastón,
No meu caso, não adianta. A cirurgia, digo; não os fumantes.
Vivi,
Não é? A gente tateia um pouco aqui, se guia por instrumentos ali e vai tocando. A coisa começa a ficar preta quando a gente passa a não conseguir mais enxergar as letrinhas no computador. Ou quando se perde no trânsito porque a rua que deveria estar por ali, sumiu, misteriosamente.
Adauto,
Eu não posso fazer a bendita cirurgia, mas adorei seus causos e, esse negócio da compra coletiva não chegou a me chocar. A Bausch tem práticas caixinhas de lentes descartáveis com seis lentes em cada (3 pares), que podem ser compradas em conjunto e fracionadas. Só que elas não duram muito. Aliás, devo ter umas 3 dessas sobrando em casa, cerca de -1,25, acho. Se quiser...
Rod,
Vc fala assim porque não precisa. Humpf!
Que situação!!!
Nossa!!Tenho um primo q ele usa desde de novo tbm...Eu não conseguiria colocar, qto mais ter esse monte de cuidados ai...
Uso oculo!Super fashion...rs.Mas é pouquinho grau...e uso em casos bem especiais...
Faculdade, nem tenho muito problema nao...só coloco qdo já estou dentro da sala e qdo as luzes estao apagadas, pois minhas aulas são no multimidia...sabe?
Mas eh isso....
beijos
Mary
Só você para me deliciar com estas histórias!
Mary,
Muito chique, muito fashion e muito poderosa, você.
Hoje em dia, acho que eu até usaria óculos, mas as "pazinhas" me dão alergia no nariz, acredita?
Emília,
Que bom que você gosta. Também adoro o seu espaço, sempre tão florido e bem cuidado.
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