sexta-feira, 27 de abril de 2007

Terapia da sacola

Quando a gente está em um trabalho, acaba acumulando coisas nas gavetas. É inevitável reunir uns poucos objetos pessoais, algumas fotos, uns brinquedinhos, listas, documentos, cartões de visita e ir juntando, quase sem perceber, coisas que por algum motivo, pareceram relevantes em determinado momento.

Aí, um belo dia, alguém decide que é hora de embora. E espera-se que as gavetas sejam restituídas ao seu estado original, ou seja, vazias ou, no mínimo, destituídas de “você”.

Aí, você junta tudo, enfia em uma sacola – se for americano, enfia em uma daquelas caixas de arquivo que aparecem em todos os filmes – e se manda. Quando chega em casa, você joga a sacola num canto e deixa ela lá, de castigo, até o próximo emprego ou até a sensação de incômodo passar.

Isso já me aconteceu algumas vezes e, geralmente em pouco tempo, o conteúdo da sacola foi filtrado e transferido para uma nova gaveta, onde foi muito mais feliz.

Mas houve uma sacola que eu fechei e não abri mais. Por quatro anos. Tinha medo do conteúdo e medo das lembranças. Por quatro longos anos, eu não trabalhei em outro lugar que tenha me feito tão feliz quanto aquele. Por quatro anos, não consegui imaginar canto em minha vida profissional para abrigar objetos tão preciosos quanto os que estavam ali.

A sacola foi aberta esta semana. Sem cerimônia, sem preparação. Foi aberta assim, à toa, simplesmente porque eu precisava ocupar o espaço dela com outra coisa mais importante. E para minha grande surpresa, descobri que quase tudo do que havia ali dentro não fazia mais o menor sentido. Que sensação engraçada passar por tantas reminiscências e não sentir absolutamente nada. Que curioso procurar os trabalhos que guardei porque me pareceram “bons” e só encontrar um punhado de papéis superados. Que graça olhar para cartões de gente que eu nem lembro mais quem é, e extratos bancários velhos, e convites de festas que eu não fui, e portifólios que deixei pra lá, e cardápios de restaurantes que já fecharam, e extratos de milhas que já gastei, e endereços de e-mail que mudaram, e brindes, e cacarecos, e clips, e lapiseiras, e canetas...

Fui vendo aquilo tudo e tentando entender porque tive tanto medo, por tanto tempo. Porque você precisava desse tempo, loira burra! Porque precisava superar. Porque precisava de um trabalho que a fizesse feliz de novo, para esquecer a fossa daquele.

Separei uns poucos itens da mais alta relevância e joguei o resto fora, sem dó. Sobreviveram:

- Minha cobra de pelúcia, que voltou a morar em cima da CPU;
- Um livro que meu professor de francês emprestou há quatro
anos e que finalmente pretendo devolver;
- Um CD pirata do Chris Montez, gravado por um amigo que nem tinha nascido quando o Chris Montez fazia sucesso;
- Dois desenhos feitos pela minha filha, anos atrás.

................

Conclusão: não há paixão no mundo que sobreviva a quatro anos de sacola.

25 comentários:

Simone disse...

mais você acaba de me dar uma luz! vou colocar na sacola a paixão!


mais tinha algo ali muito importante os desenhos de sua filha

beijo

Cláudia disse...

Farei o mesmo: colocarei em prática a conclusão da última frase!
beijo

Anônimo disse...

Ana - dizem que o que guardamos e não usamos por um ano é porque não precisamos mais e portanto não era importante. Tenho caixas e mais caixas desse tipo....rss, mas em compensação, no escritório minha mesa não tem uma só gaveta...

Ana Téjo disse...

Morg,
É infalível. Aliás, vale para QUALQUER problema da vida. E nem precisa esperar quatro anos. Basta um. Ponha o problema na sacola (ou na gaveta), feche e deixe lá por um ano. Quando abrir, o problema terá deixado de existir!
E os desenhos eram mesmo importantíssimos; foi por isso que sobreviveram.

Clau,
Não tem erro.

Ana Téjo disse...

LED,
Podemos começar pelas caixas...
Quanto ao escritório, bom. Travel light!

Anônimo disse...

"Dê tempo ao tempo".
Frase boba, mas que nestas horas a gente vê como faz todo o sentido. Nem sempre é fácil suportar a ansiedade de esperar o tempo... mas que ele tem "poderes mágicos", isso tem!!
Bjinhos

Anônimo disse...

You - o envelope que tenho com coisas suas vai virar uma caixa logo logo... e olho sempre... ;-)

Anônimo disse...

Adoro ver desenhos, fotos e coisas antigas :)

é como sentir um perfume e ativar outros sentidos do passado...

MH disse...

essa mania de guardar coisas é divertida. É sempre interessante rever isso tudo, pra dizer o mínimo!

Anônimo disse...

As estradas percorridas já me deram algumas (cinicas) aulas:
No final tudo se resume a tinta sobre o papel.
É infalivel! Uma questão de tempo.
Meu tempo é menor.
Se um problema durar mais do que 3 dias...ele é um problema.
Se durar mais que sete...bem, passa a ser um estilo de vida.
Melhor é desfazer-se dos entulhos ao final do terceiro dia ou ...encara-los
Abraço

Anônimo disse...

Como sempre, direto na ferida! Também tenho uma caixa de objetos que olhei com medo agora há pouco antes de ligar o computador...
Um bj e bom fim-de-semana!

Ana Téjo disse...

Aninha,
Também acho.

Ana Téjo disse...

You,
Que vire uma caixa, depois um quarto, depois uma casa toda. E que você não precise olhar todos os dias porque bastará olhar para o lado e me ver.

Ana Téjo disse...

Cassio,
Tem coisa mais gostosa que ver desenho de filho? Eu guardo alguns e adoro.
Nesses, em um eu estou lendo pra ela, na hora de dormir e no outro, estou chegando em casa. Legal, né?

MH,
Interessantíssimo. Reminiscências são importantes.

Ana Téjo disse...

Lana,
Nem todo entulho é tão fácil de jogar fora. Mas vamos em frente. Gostei da sua objetividade.

Krys,
Eba! Que bom. Depois, volta aqui e conta pra gente como foi!

Gastón disse...

Vou comprar uma sacola bem grande e enfiar ela lá dentro. Boa Ju, em quatro anos ela já morreu de inanição. Funciona mesmo.

Ana Téjo disse...

Gastón,
Quem é Ju?

Luci disse...

tb. vou adotar a técnica da sacola!

Anônimo disse...

O melhor é quando a dor passa e lembramos dela não tão dolorida assim... Aí vemos que as mudanças, são boas demais.... bjs Re

Ana Téjo disse...

Luci,
É infalível. Pode crer!

Rê,
Graças a Deus, né?

Codinome Beija-Flor disse...

Por que a gente faz isso?
Sabe! Eu fico pensando, que às vezes nos guardamos por anos também- para aquela pessoa que pensa que somos como vc descreveu "objetos com sentimento".
Eu aprendi "duramente" mas aprendi, que quem tem cuida, por que um dia a gente cansa e voltamos pra vida, tal como vc fez com a cobrinha.
* Mas os desenhos da filhota são lindinhos eu tenho um montão que guardo da minha também.
Beijoss

Anônimo disse...

Será que a polícia americana me manda umas sacolas pretas daquelas que tem um zíper comprido na frente?
Umas duas já dá.
Bjs. Rosana.

mc disse...

Eu tenho envolpes de quase todos os empregos. Tenho caixas de ex namorados, bem mais dolorosas q os envelopes. Espero um dia conseguir abrir uma especifica e ter o mesmo sentimento q vc teve com sua sacola.

Ana Téjo disse...

Esfinge,
Não sei porque a gente faz. Por medo, talvez? Por instinto de preservação?
O importante, de fato, é ressuscitar.
E, sim. Os desenhos são mesmo lindinhos. Também tenho meu pequeno acervo.

Rosana,
Só entre nós: se eu conseguir, posso encomendar um "servicinho" pra você? Quero coisa limpa e rápida.

Ana Téjo disse...

MC,
Terá, querida. Tenho certeza. Ponha a caixa na "terapia" que você vai ver só.