quinta-feira, 24 de maio de 2007

A função educacional dos tatus-bola no desenvovlimento saudável de uma criança essencialmente urbana

Quando eu tinha por volta de quatro anos, passei cerca de seis meses na casa da minha avó. Era uma casa imensa, ainda mais para meus padrões de idade. No terreno retangular, que ia de um lado a outro do quarteirão, com a lateral mais estreita virada para a rua, foi construída uma casa em L. Os quartos, que tinham grandes portas de madeira em vez de janelas, se abriam para um imenso jardim gramado, emoldurado por canteiros de hortênsias e azaléias que meu avô gigante cuidava com o maior carinho. Sei que se voltasse lá hoje em dia, é provável que tudo tivesse encolhido e que nem o terreno, nem o jardim fossem daquele tamanho. É por isso que é melhor não voltar.

Pois foi justamente nessa casa, passei um dos períodos mais felizes da minha vida. O espaço, a grama, as plantas, os cachorros, duas avós, pai, mãe, tia, irmã bebê... o que mais uma criança pode querer?

Durante as tardes, depois de voltar da escola, eu me dedicava, além de fugir dos cachorros, a atividades seriíssimas, como desenhar com giz nas pedras do jardim, colher flores com expressa autorização da minha avó ou simplesmente explorar os canteiros.

Foi nessa época que comi algumas borboletas.

Nessa casa, vivi aventuras como quando houve uma reforma nas garagens e brotou, como que por encanto, um monte de areia no jardim. Areia mesmo, do tipo que se usa para misturar com cimento. Uma beleza para construir castelos e fazer túneis.

Havia também as emocionantes e sempre disputadíssimas corridas de tatu-bola. Isso só era possível porque havia centenas, milhares de tatus-bola em todos os cantos do jardim. Era só procurar um pouco nos cantinhos e ir pegando.

Quando juntava uns seis ou oito, eu perfilava os competidores em uma área aberta e plana – geralmente em cima de uma pedra, com uma fileira de azaléias em volta, pra dar um ar mais “glamouroso” – analisava com cuidado cada participante, em busca de suas reais chances e, com toda a seriedade, transformava os tatus em bola, o mais rápido que podia. Aí, era só torcer loucamente para que o meu escolhido fosse o primeiro a se desenrolar. Ficava doida, cheia de adrenalina, como adulto em hipódromo, torcendo: “vai, quatro! Vai quatro! Anda logo!!!”. Os três primeiros colocados eram separados num potinho com furos para disputar a grande final, que costumava ocorrer do mesmo dia, com os ganhadores dos outros “páreos”. Os demais eram soltos.

Outro dia, lembrei disso e, junto com a lembrança, veio a constatação: acho que meus filhos nunca viram um tatu-bola. O que terá sido deles? Provavelmente mudaram para terras mais férteis ou climas mais amenos. Será que sobrou alguma família na casa onde minha avó morou? Confesso que fiquei melancólica. Não pelos tatus-bola, exatamente, mas pela época que eles simbolizaram. Uma época cheia de adultos competentes que se encarregavam de tudo. Uma época em que minha única preocupação era colher azaléias, hortênsias e selecionar bem os competidores. Se alguém tiver notícia de tatus-bola, favor entrar em contato com Ana Tejo, pelo Pensatriz. Vai me fazer muito bem.

23 comentários:

MH disse...

Tatu bola!! Nossa, como era bom vasculhar o jardim em busca deles...

creio que ainda existem, em jardins e fazendas interioranos! São parte fundamental do desenvolvimento infantil, sem dúvida. Ainda está em tempo de apresentá-los. A ME pode usar o Montanha de desculpa pra participar da brincadeira, e todo mundo se diverte... posso ir??

Anônimo disse...

Querida A.
Até que enfim te encontrei novamente! Estava de licença-maternidade (A Alice é cor-de-rosa e tão boazinha que nem parece que tenho bebê em casa, e eu sou uma coruja babona e sinto uma alegria infinita por ter uma menina, eu nem sabia que eu louca para ser mãe de menina). Seu mail chegou na caixa do trabalho, não sabia que vc estava "atendendo" em outro endereço. Senti saudades, saudades reais! Pensava nos seus escritos, fiz biscoitos com as formas que vc carinhosamente me mandou, e que eu, nem retribui (ainda)(já me senti uma vaca por isso). Muuuuito bom te reencontrar! Claro que morro de curiosadade de saber o que levou ao fechamento dos outros estabelecimentos e muitos vezes te escrevi mentalmente, mas o "total animo" da gravidez e os entretantos do dia-a-dia não permitiram a materialização do desejo. Gosto tanto de vc! E dos seus escritos. Que bom que a vida vai voltando ao normal, ler seus posts faz parte da minha vida.
Mil abraços cheinhos de carinhos e de total torcida para que vc e os meninos estejam bem, com saude e felizes
VAL

Andorinha... disse...

Realmente, Ana.
Depois que mudei para um apartamento e larguei a casa onde cresci, nunca mais tive o prazer de cutucar um tatu-bola e fazê-lo virar um ponto redondinho.
Que pena...
Beijos

Osc@r Luiz disse...

Sabe Ana,

Acho que a presença de tatus-bola está diretamente ligada à presença das hortênsias. Na casa de uma tia querida, em Porto Alegre, eu também compartilhava da mesma diversão.
Mas os tatuzinhos só estavam nos canteiros dessas flores.
Agora, que vivo no Centro-Oeste do Brasil, em Cuiabá, desde 1983, jamais vi um tatuzinho desses por aqui.
Estranho isso, né?
Apesar de biólogo, na verdade sei tão pouco sobre esses simpáticos bichinhos.
Muito legal a sua crônica("crônica sua legal" seria pelonasmo vicioso ou redundância?).
Beijão!

UrbAnna disse...

Nunca mais vi tatus-bola... e eles eram tão comuns na minha infância!!!
Sinto falta do jardim da casa onde eu morava quando pequena... mil aventuras no jardim, no quintal!
Ô vida boa aquela!

Que fofaaaaaaa na foto!
Legal ver essas imagens suas quando pequena.

Beijo
*Anna*

Nana disse...

Você COMEU algumas borboletas?! Por quê???
Vou discordar do Oscar, que diz que no Centro-Oeste não tem tatu-bola. Cresci em Brasília e brinquei muito com esses bichinhos na chácara do meu pai. Mas nunca de corrida. Uma coisa que eu já fiz foi um parque de diversões para as formigas, com caixas de fósforo. E eu acreditava mesmo que as formigas estavam se divertindo!
Beijo

Ana Téjo disse...

MH,
Pode ir, sim. Você só precisa arrumar os tatus-bola, tá?

Vaaaaaaaaaaaallll,
Menina, que saudade!!!
A gente está ótimo! Todos crescendo, alimentados e transbordando de histórias para contar, como você verá.

Eu soube da sua gravidez, mas não cheguei a saber do resultado. Uma menina, hein? Que coisa mais deliciosa. Como é o nome dela?

Mandei e-mail pra você quando abri essa nova casa (distração minha. Devia ter mandado em todos os endereços!) e pode ter certeza que também senti saudades. Chegava a sonhar com as pessoas, com as vidas de cada um, com os blogs... uma loucura. Foram cerca de sete meses de abstinência, mas agora estamos aqui, de volta, compulsivas como sempre.

Vamos pôr a conversa em dia, sem dúvida. Quando puder, me manda foto da bonequinha (meus e-mails continuam os mesmos. Se você tiver perdido, eu mando de novo pelo seu endereço).

Também gosto muito de você. Sempre gostei (e não precisa retribuir nada, boboca. Você já retribuiu com folga, com a sua paciência em me ler - tanto - em momentos tantos).

Ana Téjo disse...

Vivi,
Se tiver chance de voltar lá, volta e me conta se os tatus-bola ainda estão lá ou se também mudaram, como você. Era legal, né?

Oscar,
Ô, menino... obrigada pela gentileza!
Quer dizer que os tatus-bola são amigos das hortênsias, é? Que legal! Vou programar umas férias com as crianças em Gramado, a capital nacional das hortências. Eles vão se esbaldar com os tatus!

Ana Téjo disse...

*Anna*,
Será que os tatus envelheceram e morreram antes da gente? Vou ter que arrumar pelo menos um pros meus filhos verem. Agora é uma questão de honra!
Eu parecia um menino. Minha mãe nunca deixou meu cabelo crescer...

Nana,
Porque eram lindas, oras! Ainda vou falar sobre isso algum dia, em algum post.
Vamos apurar essa história dos tatus-bola: tinha hortênsia na chácara do seu pai?
Adorei a história do parque de diversão pras formigas! Visionária! Totalmente Bug's Life. Se você tivesse espalhado umas folhinhas e umas migalhinhas de doce, era bem capaz delas se divertirem mesmo!

Anônimo disse...

Na minha casa ainda tem tatu bola, moro perto da Serra da Cantareira, mas não temos hortênsias, acho que os tatus de lá são trangênicos :o) E como é que eu sei que há toda uma vida tatuzal no quintal? Tenho dois sobrinhos, que adoram colecionar "tatuios". Então, por uns momentos de sossego, a gente levanta os vasos para eles pegarem os pobres tatus. O demo queira ser tatu lá em casa :o)

Nana disse...

Não, não tinha hortênsias na chácara.
Nem tudo que é lindo tem gosto bom, Ana. E as borboletas, eram gostosas?

Ana Téjo disse...

Yara,
Eba! Numa dessas, uma dia você organiza um tour guiado pelo seu jardim, que tal? Para quem nunca viu tatu-bola, um transgênico tá mais do que bom!

Nana,
Nesse caso, derrubamos de vez a tese do Oscar.
Sobre as borboletas, não lembro. Nunca mais comi nenhuma, mas você está me dando idéias...

Anônimo disse...

Ana, eu comia tatu bola e "tuaninha". E tinha tia que morava na fazenda, então eu tinha uma vaca "só minha", cada ninhada de pintinhos minha tia separava um que "era meu". E com 6 ou 7 anos eu já montava a cavalo em pêlo. E cada dia mais me dá um aperto no peito pensar que quando minha filha quer ver um "au au" eu a levo no shoopping, pra ver no pet shop. E ela se assusta com vacas e cavalos até na televisão. Procuro pensar que ela tem acesso à coisas que eu não tinha, e que talvez uma coisa compense a outra. Mas volta e meia me pego melancólica por essas lembranças...
bjs!

Ana Téjo disse...

Greice,
Nunca comi tatu-bola, nem joaninha. Era bom? Tá em tempo de eu provar...
Meniiiina, você era praticamente uma Jana das Selvas! Que legal.
Leva sua filha numa Fazendinha. Lá, tudo é mini mesmo, ela não vai ter medo algum e, adicionalmente, você aplaca sua consciência.

Cláudia disse...

Gostei mesmo foi do modelito anos 70 do casaquinho, que se fosse hoje, seria vintage e muito na moda!
Sobre sumiços de bichos, o que fizeram com os tatuís, que desapareceram das praias?
beijo

Ana Téjo disse...

Clau,
Meniiina, vou ter que esnobar: o modelito vintage foi feito à mão, pela minha avó, que era exímia tricoteira. É peça única, tá? So sorry.
Tastuí? Na praia não tem nem concha mais...

Rodolfo Barreto disse...

Tatu-bola? Se você dissesse isso no Rio, talvez pensassem que é um tipo de tatu mesmo. Lá, chamamos de gongôlo e acredito que ainda exista o bicho por lá, rolando de um lado pro outro como eu costumo fazer quando durmo.

A infância é mesmo tão grande e, ao mesmo tempo, cabe em qualquer embalagem de diplink.

"Foi nessa época que comi algumas borboletas" foi sensacional. Essa frase merecia mesmo um parágrafo ilha, feito só pra ela.

:)

Luci disse...

o oscar disse que tem a ver com hortensias. eu tenho hortensias e ...tatu-bolinha!
assim que eu encontrar um tiro uma foto e te mando!
eu amo tatu-bola!
bj!

Ana Téjo disse...

Rods,
Vivendo e aprendendo. Nunca pensei que tatu-bola no Rio tivesse outro nome. Se tiver mesmo, me passa a pista que quando eu fôr, quero apresentar um pro Montanha.

Realmente, a infância é um ovo de codorna. E quanto mais longe a gente fica dela, mais vê como passou rápido.

Luci,
Eba!!!
Por favor, sim? Vai ser um sucesso.

Anônimo disse...

Para mim, tatu-bola está para tatu assim como cavalo-marinho está para cavalo. Sempre me intrigou imaginar como um tatu podia ser tão pequeno e como um cavalo podia, além de ser menor que um peixe, viver na água.
Mistérios...
Beijos,
Cris.

Ana Téjo disse...

Cris,
Muito bom o paralelo.
E o peixe-boi, então? A laranja-pera, a banana-maça, o caqui-chocolate...?

Jade disse...

Eu tenho uma teoria de que certas coisas só existem quando a gente é criança... acho que o tatu-bola é uma delas... se bem que aqui pelo Rio eu nunca vi um!! hehehehe!!
Que delícia essas lembranças não?
Beijos!!

Ana Téjo disse...

Jade,
É verdade. Talvez não existem mesmo e sejam apenas fruto do imaginário coletivo das crianças.
Crianças cariocas tem reminscências com vaga-lumes, né?