sexta-feira, 18 de maio de 2007

A origem das coisas

Criança de cidade sofre. E nos idos da década de 70, quando não havia os programas educativos dos canais de TV a cabo ou as “Fazendinhas modelo” para os pais e mostrarem aos filhos coisas exóticas como vacas ou porcos, as crianças de cidade viviam assim, com o que lhe era apresentado.

Eu, por exemplo, nascida e criada em cidade e sem parente próximo vivendo em áreas rurais, era praticamente um ET quando se tratava natureza e suas conseqüências. Basta dizer que a única árvore frutífera com a qual tive contato até lá pelos seis anos de idade foi uma pitangueira que resistia bravamente no pátio da pré-escola que eu freqüentava, apesar dos ataques constantes dos demais anjinhos.

Eu achava, por exemplo, que macarrão era planta. Imaginava uma plantação de macarrão como se fosse uma plantação de trigo, dourada como os quadros de Van Gogh, com aqueles fios imensos de espaguete voando ao sabor do vento, sob céus tempestuosos. Dependendo do tip ode macarrão, a plantação era diferente. A de penne, por exemplo, era mais rústica, como um bambuzal (cuja referência eu também não tinha, na época) e os pedaços de massa eram costados depois de colhidos, na diagonal, pra ficar bonitinho. Fusillis e Farfalles davam em árvore, nas pontas dos galhos. Como eram basicamente esses os tipos de massa que eu conhecia, não tive necessidade de imaginar outros tipos de plantação. Massas recheadas, frescas, como ravióli e caneloni pertenciam a outra forma de vida que eu nem considerava “planta” porque às vezes, vovó fazia gnocchi em casa e eu via que havia ali uma certa alquimia de ingredientes.

Outra coisa eram os ovos. Eu também achava que ovo era planta e que dava em árvore. Vocês devem estar imaginando, “Dãns! Que menina burra! Nunca ouviu falar em galinha?” Ouvi, sim. Ouvi e sabia com clareza que galinhas punham ovos e que, dos ovos, nasciam pintinhos. PIN-TI-NHOS e não gemas e claras de comer. Para mim, o ovo que a galinha punha era uma coisa e o ovo que a gente comia era outra, totalmente diferente. O ovo que virava pintinho vinha do bicho. O que a gente comia, vinha da árvore, ficou claro? A árvore que dava o ovo era frondosa e os moços que colhiam precisavam ter muito cuidado para colher sem quebrar. Para isso, tinham escadas altas e, à medida que iam colhendo, colocavam os ovos naquelas caixinhas de papelão que ficam até hoje nos supermercados. Faz todo sentido, não? Coisas de criança da cidade...

26 comentários:

Anônimo disse...

Gostoso lembrar disto...

Thales disse...

Haha, muito divertido :)

Aliás, achar que macarrão dá em árvore é um tema recorrente. Tem um caso clássico de uma brincadeira de primeiro de abril que a BBC aprontou em 57, com uma reportagem sobre a "colheita do espaguete". Muita gente grande caiu na pegadinha.

Eu, por outro lado, sempre soube de onde macarrão vinha: tive o privilégio de ter mãe que fazia massa em casa, capisci?! -- não que eu não tenha cometido outras falácias infantis, é claro...

Isabella Kantek disse...

Quando você era criança, você achava que o caroço da laranja ou da melancia que você engoliu por acaso, ia crescer árvore dentro de você? Eu achava. =)

Adorei a sua versão do ovo de comer...

Cláudia disse...

Ana
já eu fui uma criança que passava os três meses de férias de fim de ano no sítio do avô, com tudo a que tinha direito (menos cavalo, que eu morria de medo).
Mas você acredita que, até pouco tempo atrás, eu não sabia que o ovo saía da galinha com a casca MOLE? Achava que a bichinha já colocava aquele ovo duro daquele jeito mesmo, pobre animal...
Adorei a plantação de macarrão! Tem cara mesmo de quadro de Van Gogh.
beijo

Codinome Beija-Flor disse...

Uma belezinha de post.
Bjos

Anônimo disse...

Que delícia de post!
Deve ser tb 1 gd delícia reviver essas fantasias de criança, agora contadas/ invetadas pelos seus filhos... Que por sinal, são experts nesse quesito!! ;)

Eu, desde criança, tenho o meu lado urbano aguçado. Mesmo nas férias no interior, qd meus primos brincavam com as minhocas, lembro de pegar 1 baldinho com água e sabonete (!!!) e dar banho nas coitadas, pq achava que elas eram mto sujinhas... hehehe

Coisas de criança...

Anônimo disse...

Eu também sou como você, Ana. Nascida em SP e sem parentes na área rural.
Minha mãe sempre me chamou de 'JACÚ DE SÃO PAULO', pois nunca soube distinguir nenhuma árvores, planta, ou qualquer coisa que se ligasse ao mato...
Bjs.
Jacú de SP, ainda hj.

Anônimo disse...

Eu até que tinha boas noções (vide comentário da Cláudia, incluindo a casca mole), mas até um tempo atrás achava que endívia era um peixinho do mar, algo como "um cardume de endívias". A jaqueira continua me deixando pasma, acho que é coisa de estagiário.
Bjs. Rosana.

UrbAnna disse...

hahahaha...
A minha maior lembrança de ver pessoas gargalhando de mim por causa de falar algo desse tipo foi uma vez num almoço de família, quando lá pelo meio da tarde resolveram cortar uma melancia.
Todo mundo comendo a tal da melancia e eu ali, curiosa, olhando aqueles fiozinhos brancos (que parecem fio de linha)que de vez em quando aparecem dentro da melancia, olhando a casca, as sementes, inspecionando a metade da melancia que estava sobre mesa até que meu pai perguntou:
- Filha, que tanto vc olha pra essa melancia?
e eu respondi:
- Estou tentando entender como é que eles fizeram para costurar essas sementes com essa linha branca sem cortar a casca da melancia... por eu juro que ela tava inteirinha... eu vi!!!

Osc@r Luiz disse...

Minha escola, em Porto Alegre, onde estudei da primeira à sétima série primárias, tinha um pé de amoras.
Só que ele era "comadado" sempre pelos alunos da oitava série (a última do "Primeiro Grau" da época).
Passei sete anos esperando a minha vez. Quando ela chegou, minha família se mudou pra Cuiabá... :(
Fiquei sem as amoras, mas também descontei. Aqui tem muitas outras variedades de frutas: mangas, cajús, seringuelas e muitas outras e tamanha é a fartura, que não foi preciso esperar. Aqui as frutas se perdem e os donos às dão aos outros. À exceção de cocos (quase fui preso por isso) e uma velhinha que um dia me negou uma romã que precisava para fazer um gargarejo. Essa um dia eu conto no meu blog...
Beijão!

Rubi disse...

Acho que todas as crianças deviam de fazer visitas de estudo ao campo...lol...Não achas Ana? Tenho o sonho de poder retirar-me para o campo dentro de uns anos. Beijo

Ana Téjo disse...

Cassio,
Né?

Thales,
Macarrão em árvore faz todo sentido. Nem sabia dessa da BBC, mas eu não teria caído por duas razões óbvias:
1- Todo mundo sabe que a Suíça é muito fria para favorecer o plantio de espaguete.
2- Os pés não são daquele jeito que aparece na foto. Toda criança urbana de 4 ou 5 anos sabe que pé de espaguete é como um pé de trigo. Quem dá em árvore é fusili!

Como não há uma só gota de sangue italiano na minha família, nunca tivemos essa tradição da massa caseira. Meu pai se aventurou algumas vezes, mas porque era enxerido; não italiano.
Vou ler seu outro link.

Ana Téjo disse...

Isabella,
Eu era uma chata de galocheas e sempre tirava todas as sementes das frutas.
Mas achava que se engolisse espinhas de peixe em número suficiente, poderia virar sereia!

Clau,
Ah, como deve ter sido beom!
Também aprendi isso numa aula de ciências, muuuuiiitos anos depois. Galinha nenhuma merece, né? Imagine o sofrimento, conjugado ao medo de quebrar. Não poderiam nem hesitar na hora de pôr, as pobres...
O espaguete é Van Gogh total. Imagine tudo aquilo voando, poucos minutos antes de uma tormenta cair, o céu cinzento, tempestuoso, e a mocinha colhendo, apressada, enquanto o molho de tomate cozinha no fogão.

Ana Téjo disse...

Esfinge,
Obrigadinha.

Aninha,
Obrigada.
Ach oque as crianças de hoje ficaram mais sofisticadas. As fantasias dos meus filhos são muito mais elaboradas. O Montanha, por exemplo, anda preocupado com aquecimento global, pode?
Eu te entendo perfeitamente. Também lavaria as minhocas. Aliás, lavaria e depois pintaria. Tem uma cor tão sem graça as coitadinhas, né?

Ana Téjo disse...

Vivi,
Eu mal diferencio um coqueiro de uma samambaia!

Rosana,
Jaqueira é uma coisa que Deus fez num dia em que estava irônico.
Você podia ter dado a dica da casca do ovo pra sua irmã, tadinha!
Sobre as endívias, vou ter que esnobar: assim que elas começaram a vir para o Brasil, minha vovó suíça me contou que na Suíça, endívias eram uma das poucas coisas que eles conseguiam comer no inverno porque elas são plantadas enterradas e crescem sem sol.
Mas que parece nome de peixe, parece: enguia, tilápia, endívia...

Ana Téjo disse...

*Anna*,
Adorei!
Seu pai devia ter te explicado que Deus deve ter se distraído e em vez de colocar fio dental no milho e na manga, colocou na melancia.
Mas que seria prático, seria. Já pensou: a gente puxava o fio com cuidado e se livrava, de uma vez só, de todas as sementes?!

Oscar,
Seu pé de amoras era um caso parecido com o "meu" pé de pitangas. Só que os grandalhões da minha escolinha eram os do pré-primário!
Que delícia viver em um lugar com tanta fartura! Aqui também tem fartura... no supermercado.

Ana Téjo disse...

Rubina,
Certamente que acho, para não acontecer o que aconteceu comigo.
Quando ao campo, prefiro ficar na cidade mesmo. Acho que me acostumei, sabe?

Luci disse...

este post merece ir para aquele livro infantil...a origem "dos" coisas...rs!
adorei!
bj

Ana Téjo disse...

Luci,
Isso é o que acontece com crianças criadas exclusivamente em cidades.
Obrigada, querida.

Isabella Kantek disse...

Ah, então você era como a minha irmã que tirava até as sementes da uva e no final, só tinha uma gosminha de nada pra comer... =D

Abraços

Ana Téjo disse...

Isabella,
Claro que tirava.
Imagina se nascesse uma parreira dentro de mim. Aí, as folhas iam começar a sair pelo nariz, pelas orelhas... e pra explicar na escola?

Anônimo disse...

Ana,
eu não fui uma criança 100% de cidade - meus avós tinham fazenda em Avaré - mas nem por isso deixei de criar minhas teorias sobre as coisas.
Lá pelos sete anos deixei minha família de cabelo em pé, pois se colocassem um bife na minha frente a primeira pergunta que eu fazia era: isso é carne de vaca ou de boi??? Eu cismei que só comia de vaca... vai entender por que...* E ai de quem, na hora agá, esquecesse qual era a resposta certa! Não me faziam comer o raio da carne nem por um decreto!

(*meu palpite é que eu sempre ouvia falar em fígado de boi, que é um troço ruim pra danar, e associei...)

Beijos,
Cris (sou amiga do Gastón da Isabella e fã do seu blog!)

Ana Téjo disse...

Oi, Cris,
Bem vinda!
É mesmo sempre bom saber a procedência correta do que a gente come. Ainda bem que o seu dilema era só entre vaca e boi. Imagina se você corresse o risco de comer cavalo, cachorro...

Unknown disse...

Eu já vi uma criança de cidade dizer que achava que o ovo vinha da fábrica de ovos, assim como as bolachas. E a explicação dele foi essa: "ué, os ovos são todos iguaizinhos como as bolachas do pacote!"

E a minha mãe me contou esses dias que o filho de uma amiga ficou encantado com ela fazer pipoca na panela. Ele NUNCA tinha visto isso. Só de microondas. Eu fiquei pensando, será que não tem pipoqueiro na porta da escola desse moleque? ;o)

Anônimo disse...

Bom, o comentário da Kryscia me fez pensar numa outra questão, que é o gap de gerações... uma amiga comentou outro dia que o filho dela foi perguntar o que ela queria dizer com "a ficha caiu". Ele já nasceu na era do cartão telefônico... os meus estagiários de 20 anos não sabem de que lado do envelope se coloca o remetente e o destinatário, já mandaram uma carta com o endereço do lado errado e o correio nos trouxe dois dias depois! Esses nasceram na era do e-mail... e eu que troquei tanta carta na minha infância e adolescência!!!
Beijos novamente, Ana!
Cris.

Ana Téjo disse...

Kryscia,
Perfeitamente sensato. Inclusive, há diversos tipos de ovos, assim como há diversos tipos de biscoitos.
Passei pela mesma experiência da pipoca com meus filhos. Tinha até um post em meu blog anterior sobre isso. Eles também ficaram encantados. E pipoca que pula livremente, hoje em dia, só no Cinemark.

Cris,
Experimenta pedir para uma criança insistente "virar o disco". Eles ficam te olhando com cara de paisagem.
Agora, essa do envelope realmente me deixou perplexa!